Mariana Sgarioni

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Brasil pode ter os melhores créditos de carbono do mundo, diz Marina Grossi

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"Já faz tanto tempo que falo sobre a importância deste assunto que a precificação de carbono quase virou meu sobrenome", brinca Marina Grossi, presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável). Não por acaso: a regulação do mercado de carbono no Brasil é um tema urgente - sobretudo para um país que está às vésperas de sediar a COP em 2025. "Temos todas as condições de oferecer os melhores créditos de carbono do mundo", acredita.

Economista de formação, Marina é pioneira na sustentabilidade empresarial no país. À frente da organização que conta com mais de 110 grandes empresas, a executiva é hoje uma das principais porta-vozes do setor na agenda atual de desenvolvimento sustentável. Foi negociadora do Brasil na Conferência da ONU sobre Mudança do Clima, coordenou o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, além de participar das negociações do Protocolo de Kyoto. Sob sua direção, o CEBDS representa atualmente o WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), instituição que acaba de lançar a "Missão 2025", iniciativa que visa pressionar os países signatários do Acordo de Paris a aumentarem sua ambição climática.

Ativa defensora da regulamentação do mercado de carbono desde 2016, Marina integrou o chamado Steering Committee da Carbon Price Leadership Coalition (CPLC), conselho diretivo da coalizão do Banco Mundial voltada para a precificação de carbono. Atualmente tem empenhado sua articulação na tentativa de agilizar a aprovação do PL 2.148/2015, que cria limites de emissões de gases do efeito estufa para as empresas, e regula esta compensação por meio de créditos. As empresas que mais poluem devem compensar com a compra de títulos. O texto - que tem gerado polêmica por deixar o agronegócio fora da regulação - está no momento aguardando votação no Senado Federal.

"Somos o único país em que o setor que vai ser regulado pede para ser regulado. Desde que haja critérios, claro, vamos começar com o que é possível e depois ajustamos", afirma. Na entrevista a seguir, Marina Grossi pontua a importância desta aprovação no momento e a expectativa da regulação para um protagonismo brasileiro na oferta de créditos na COP de Belém.

***

Ecoa: Quais as oportunidades do Brasil no atual cenário do mercado de carbono?
Marina Grossi:
Os créditos de carbono - e eu estou falando de créditos com integridade climática - são uma oportunidade importante para trazer recursos ao Brasil. Nosso país consegue cumprir suas NDCs (metas e compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa assumidos por cada nação que assinou o Acordo de Paris), sendo que muitos outros países não conseguem. Os mecanismos que os ajudam a cumprirem suas metas são os créditos de carbono. E o Brasil pode contribuir oferecendo estes créditos. Mas é preciso regular. Eu não entendo como estamos demorando tanto para esta precificação. Temos uma matriz energética limpa, portanto nossos produtos são mais limpos em seu processo industrial em relação ao resto do mundo. Por isso, nossas emissões terão preço mais baixo. Precificar é muito interessante para o Brasil.

Ecoa: É por isso que você está nesta agenda há tanto tempo?
Marina Grossi:
Sim, o CEBDS insiste neste assunto desde 2016. Em 2017, fizemos uma proposta junto ao Banco Mundial e desde então percebo que as coisas estão patinando. Entendo que o Brasil tinha várias outras urgências e reformas de lá para cá. Mas somos o único país em que o setor empresarial que vai ser regulado está pedindo para ser regulado.

Ecoa: Como isso aconteceu em outros países?
Marina Grossi:
No exterior, fizeram o que chamamos de "learning by doing" (aprendendo fazendo). Quem começou foi a União Europeia, em 2015, e ela mudou metas. O importante é começar este processo: os ajustes vão acontecer depois. Quanto mais tarde você começa, menos espaço fica para as correções e diminui nossa influência no jogo global. No Brasil, o texto pode e deve começar já. Começar pequeno. Não precisa ser perfeito, maravilhoso. Tem que começar com o que é possível - desde que a gente tenha neste processo, claro, critérios, metodologias robustas.

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Ecoa: Neste processo demorado, muita gente desistiu e partiu apenas para o mercado voluntário.
Marina Grossi:
Sim. O que muita gente não entende é que o mercado voluntário e o mercado regulado são complementares. Um ajuda o outro. O regulado, por ter o controle do governo, processos de garantia de integridade, e por ser mais caro, ajuda o voluntário a avançar e a aumentar seu preço. A potência do mercado regulado é que ele escala muito mais do que o voluntário. Fizemos mais de 400 workshops sobre isso - o assunto está mais do que maduro no setor privado. Não estou sendo negligente: tem que ser gradual, não deve afetar a competitividade e acolher a integridade climática. Mas temos as condições de ter os melhores créditos de carbono do mundo.

Ecoa: Por que?
Marina Grossi:
Podemos ter um selo que garante que aquele crédito de carbono tem embutido a biodiversidade, as questões sociais. Isso é perfeito. Mas tem que começar logo. Porque existe um tempo de implantação que demora. É preciso todos se unirem para fazer acontecer um mecanismo que pode, inclusive, injetar recursos num setor em que emitimos mais, que é o desmatamento. Agora precisamos de vontade política.

Ecoa: Conseguiremos entregar esta regulamentação antes da COP no Brasil?
Marina Grossi:
Eu nem considero a possibilidade de perder o prazo da COP no Brasil. Não é possível. Precisamos acabar com as lacunas de articulação e informação. Não faz nenhum sentido receber tantos países aqui sem esta regulação em mãos e o governo sabe disso. Trata-se, inclusive, de credibilidade.

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