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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Eu vi Ailton Krenak conversando sobre as ideias para adiar o fim do mundo

Ailton Krenak é ambientalista, escritor e líder indígena - divulgação
Ailton Krenak é ambientalista, escritor e líder indígena Imagem: divulgação

Mariana Belmont

28/07/2022 06h00

"Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a gente desestabilizar esse padrão, talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a gente já não caiu?", registrou Ailton Krenak em seu livro "Ideias para adiar o fim do mundo".

Sabe quando você abre o armário e o cheiro de naftalina sai e você torce o nariz? Ou quando você abre a geladeira e encontra um ovo podre e aí ferrou a casa toda de cheiro ruim? Outro exemplo mais fácil seria abrir a porta do Palácio do Planalto. Aquele fedô absurdo de enxofre, gente velha e canalha.

Acordei hoje pensando nisso e sem esperança.

Estou em Belém do Pará para participar do X Fórum Social Pan-Amazônico (Fospa) e ontem a noite enquanto tomava uma cerveja na praça da paz com uns amigos alguém me perguntou: "Mari, você tem esperança que vai dar tudo certo e vamos superar as mudanças climáticas?". E emendou outra: "E todo o resto? Você tem esperança?"

Não. Você tem?

Esperança é uma coisa muito difícil de permanecer se não for cultivada e abastecida de coisas novas e que fazem sentido, o que eu não tenho recebido. Esse rio de esperança não está passando por aqui, mas talvez alguém tenha desviado o rio aqui perto, como fizeram com tantos outros no Brasil.

Ontem passei por uma mesa no hotel em que estou e lá estava o Ailton Krenak, cara de quem sou fã e quem me dá um gás na esperança quando ela vem com força. Eu já mediei mesas com ele, mas fiquei tímida e não falei com ele.

Mas percebi que ele conversava com um grupo de pessoas bem jovens com o livro "Ideias para adiar o fim do mundo" na mão. Achei bonito e fiquei com ainda mais vergonha de chegar para a conversa, afinal, que coisa nova ou contribuição eu poderia levar?

Fiquei com medo de chorar.

Quando eu penso em 2023 eu fico ainda mais cansada, mas quero que chegue logo, mas não tenho esperança de trabalhar menos e dormir mais, da saúde melhorar ou do stress acabar. Talvez daqui uns 20 anos? Quem poderá dizer com sinceridade o que acha que "vem aí no futuro"?

Juro que não é o texto da desesperança, não estou desmotivando ninguém, não me culpem. Eu sou ingênua e um pedaço ainda acredita que vai ficar tudo bem. Talvez fique mesmo, mas agora a minha visão, coração e sensação estão turvos.

E Ailton Krenak, que eu já citei aqui em milhares de colunas minhas, diz que sua provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.

É isso.


Contar do antes, do agora e do depois. A minha única esperança é que o exercício de não esquecer outras resistências para a existência continue permanente em nós, em alguns de nós pelo menos.

E no livro ainda nos provoca mais. "Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma por consumir subjetividades — as nossas subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que formos capazes de inventar, não botar ela no mercado. Já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável, vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas visões, nossas poéticas sobre a existência."

Vamos nessa, porque a minha esperança precisa estar na existência do sempre. E nas urnas no dia 2 de outubro de 2022.