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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como o governo Bolsonaro ataca sistematicamente os indígenas no Brasil

Os Yanomami no encontro de Lideranças Yanomami e Ye"kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, na Terra Indígena Yanomami, aldeia Watoriki - Victor Moriyama/ISA
Os Yanomami no encontro de Lideranças Yanomami e Ye'kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, na Terra Indígena Yanomami, aldeia Watoriki Imagem: Victor Moriyama/ISA

Mariana Belmont

05/06/2022 06h00

O genocídio indigena e negro no país é projeto, e não começou em 2019, começou com a invasão aqui, foi ali que o racismo ambiental começou, quando as caravelas chegaram.

Não precisamos ir longe para ver o quanto o Brasil vem retrocedendo em direitos humanos nesses últimos anos de governo Bolsonaro. Basta a gente ligar a TV, ver as notícias e olhar para as ruas, ou para os lados, para se deparar com realidades que sempre foram duras e pioraram.

Os retrocessos estão em todas as agendas: saúde, educação, segurança pública, justiça, desemprego e pobreza, entre outras. Chama atenção especialmente os temas de meio ambiente — com o desmonte de toda e estrutura de governança ambiental e órgãos fiscalizadores — e, principalmente, a situação dos povos indígenas. O fato é que, mais do que retrocessos, a gestão do atual governo federal marca um período de forte acirramento dos ataques aos povos indígenas e violações de seus direitos por parte do próprio Estado brasileiro.

Não se registrou nos últimos anos nenhuma política específica para os povos indígenas. Ao contrário, o que se verificou foi o enfraquecimento das políticas existentes juntamente com o desmonte de órgãos que deveriam implementá-las, com diminuição de orçamento e programas federais, e de ameaças legislativas concretas aos direitos constitucionais desses povos.

O cenário agravou-se no primeiro semestre de 2020 com o avanço da transmissão da covid-19 nos territórios indígenas, ao mesmo tempo que medidas de austeridade fiscal reduziram recursos de programas sociais importantes para combater a pandemia.

A omissão do Estado em sua função de garantir atendimento básico de saúde aos povos indígenas também é flagrante por meio do aumento da mortalidade de bebês indígenas, que voltou a subir em 2019. Dados do Ministério da Saúde mostram que, entre janeiro e setembro de 2019, último mês com estatísticas disponíveis, morreram 530 bebês indígenas com até 1 ano de idade.

Se a situação da saúde indígena revela precariedade, o mesmo se constata com a educação indígena. Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que 1.029 escolas indígenas não funcionam em prédios escolares, e 1.027 escolas indígenas não estão regularizadas por seus sistemas de ensino. Além disso, 1.970 escolas não possuem água filtrada, 1.076 não contam com energia elétrica e 1.634 escolas não têm esgoto sanitário; 3.077 escolas não possuem biblioteca e 1.546 não utilizam material didático específico. A precariedade na infraestrutura das escolas é acompanhada pelo descaso no acompanhamento pedagógico e didático.

Para piorar toda a situação, tanto a Funai, quanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) têm sido precarizados.

A Funai opera, atualmente, com um terço de sua força de trabalho, situação agravada pelo contingenciamento de 90% de seu orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual de 2019.

Atualmente 832 Terras Indígenas são reivindicadas por povos indígenas no Brasil. Destas, segundo o relatório "Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil", do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), 536 não contam com nenhum procedimento administrativo. Segundo o relatório, muitos desses territórios foram invadidos durante a pandemia de Covid-19, ações que estão diretamente relacionadas à disponibilização dessas áreas para a exploração pelo agronegócio, mineradoras e madeireiras. Em 2019, último ano para o qual há dados públicos, o número de invasões de terras indígenas cresceu 135%.

Em um cenário de profundos retrocessos, marcado por discursos racistas, políticas contrárias a promoção de direitos humanos e regressão de padrões civilizatórios, temos ainda um governo que contribui, a cada declaração, para o aumento da discriminação contra os povos indígenas e para o agravamento da violência contra esses povos.

Não à toa, dados sobre o desmatamento e a destruição dos nossos biomas seguem pelo mesmo caminho. Só na Amazônia o desmatamento atingiu, já em 2020, a maior taxa em 12 anos, com 10.851 km2. Nas terras indígenas a taxa cresceu 90%, fomentado pelo discurso do presidente de abertura dessas áreas ao garimpo e a outras atividades econômicas.

Todos esses dados são do relatório "Povos Indígenas e Meio Ambiente", lançado no último 25 de maio pelo Coletivo RPU Brasil, coalizão de 31 organizações que tem por objetivo monitorar a implementação dos direitos humanos no país através do acompanhamento das recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU), mecanismo criado no Conselho de Direitos Humanos para promoção dessa agenda entre todos os países da ONU. Ao todo, são 11 relatórios divididos por temas — povos indígenas e meio ambiente, saúde e vida digna, igualdade e não discriminação de gênero, racismo, entre outros.

Especificamente sobre "povos indígenas e meio ambiente", das 27 recomendações feitas ao Brasil por outros países-membros das Nações Unidas, nenhuma foi cumprida, sequer parcialmente. São 11 em não-cumprimento e 16 em retrocesso, como os citados acima. O conteúdo completo dos relatórios está disponível na Plataforma RPU.

Hoje, 5 de junho, dia do Meio Ambiente, qual a comemoração? Ou só mais um dia para nos desesperamos com a situação dos povos da floresta? Não temos mais tempo.