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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aconselho a você que seja sambista também

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Belmont

26/05/2022 06h00

A primeira vez que eu fui ao Pagode da 27, no Grajaú, era véspera de aniversário do meu irmão, em 2008. Ele só fazia rolê de samba pela cidade e nesse dia fomos a um samba em que ele tinha ido pouco, mas gostou e topou me levar. Era um verdadeiro milagre isso acontecer, meu irmão era ciumento demais, não deixava eu ficar perto dos amigos, mas ali parecia que ele queria registrar algo na minha memória. Foi mágico.

Um ano depois perdemos meu irmão, e eu tinha na memória o único lugar que ele topou me levar depois que eu cresci e deixei de ser criança. Era o Pagode da 27. Eu acho que nunca contei isso para meus amigos, vão saber hoje. Só voltei para lá em 2011, não tive coragem de ir antes sem meu irmão, fiquei um intervalo de tempo entendendo a presença da ausência.

Eu embarquei para sempre nesse samba, nessa galera, nesses amigos. Não tem mais volta.

Veio a pandemia e o mundo não ficou em suspenso. Ele parou para quem podia parar, mas não parou nos territórios. As comunidades de samba também participaram de toda mobilização para alimentar as famílias que perderam emprego e renda. Um esforço surreal para que menos pessoas nas quebradas morressem de covid, de fome, e, muitas vezes, de bala.

A política das rodas de samba é construída por todos os músicos e todas as famílias que não medem esforços para que a comunidade se sinta em casa e que tenha dias melhores. É assim no Pagode da 27, Pagode na Disciplina, no Jardim Miriam, e em tantas rodas que constroem o corre verdadeiro no chão dos bairros da cidade de São Paulo.

Depois de quase dois anos e meio o samba voltou oficialmente essa semana, domingo, 22 de maio de 2022. E que alegria!

Fazia meses, talvez mais de dois anos, que eu não sentia essa alegria no peito. Aquela coisa, que quando você tá na roda do samba, não sabe se canta ou se fica só olhando para aquilo acontecendo, sentindo a vibração do som no corpo, que chega a tremer. Toda hora é hora de abraçar alguém, mandar beijo para o outro lado da roda, sorrir e ficar em êxtase.

O samba é história, onde a gente cruza passado, presente e olha com firmeza para o futuro, mas sem esquecer de quem veio antes. Me sinto em casa, me lembro de casa, faz parte da minha história, do meu irmão, da minha família e da história do meu país.

Na 27 eu já chorei, amei, tive coração partido, paquerei, fui acolhida e amada por amigas da vida. A política do cuidado em prática.

Há um mês o Pagode da 27 também inaugurou um espaço no Grajaú, a Casa 27, um lugar onde muitos sonhos já começaram a se realizar. A 27 tem na sua essência a sede por uma vida melhor, com justiça social na comunidade. Educação, arte, cultura, assistência social e valores de defesa da vida de todos. Foram longos 16 anos buscando ampliar ações, e esse novo espaço é um passo enorme e importante.

O lugar é lindo, potente e fundamental para a conexão entre pessoas e saberes. Com compromisso popular, a Casa 27 segue fomentando o protagonismo periférico na quebrada, com a música e todas as formas de existir.

Em tempos de uma política de morte orquestrada pelo governo federal, abrir espaços de encontros para a transformação é um passo e uma coragem gigantes. É brigar pela existência cheia de vida. Pela vida dos sambistas que se foram por causa da pandemia, pelas vidas que ainda precisam firmar o pé e construir novos horizontes de futuro com base e compromisso.

Viver as alegrias de estar em roda, ao lado de quem se confia e faz o mundo girar coletivamente, é bonito demais. Já escrevi outras vezes sobre o samba, mas volto a escrever sempre, pela importância territorial, pela relevância histórica e por toda simbologia de família e união de que ele dispõe. O samba é mais do que um ritmo, é toda a formulação de fazer junto e ser maior que a roda, extrapolar os limites e perceber que a música e a história andam juntas para uma sociedade melhor — com pessoas melhores e que amenizam as dores diárias da maior parte da população.

E como não há mal que dure para sempre, a roda de samba do Pagode da 27 está de volta todos os domingos a partir das 16h, junto com a arrecadação de 1 kg de alimento não perecível para apoiar famílias da região.

Axé pra quem é de Axé

Amém pra quem é de Amém!

"Ser sambista é ver com olhos do coração

Ser sambista é crer que existe uma solução

É a certeza de ter escolhido o que convém

É se engrandecer e sem menosprezar ninguém…"

Fundo de Quintal