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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dona Ivone Lara completou 100 anos no palco com Fabiana Cozza

Fabiana Cozza no palco da Casa de Francisca - Arquivo pessoal/Mari Belmont
Fabiana Cozza no palco da Casa de Francisca Imagem: Arquivo pessoal/Mari Belmont

21/04/2022 06h00

Eu cresci ouvindo Dona Ivone e Clementina de Jesus, aos sábados, em alto e bom som. Em meio à faxina, a casa toda pulsava aquele canto, enquanto entre uma levantada e outra de tapete batíamos palmas ritmadas à música que ressoava na caixa de som velha. Uma infância ouvindo mulheres cantando samba, sendo criada e formada por elas.

Há 100 anos nascia Dona Ivone Lara, dona da voz e da melodia celestial mais bonita do século. E no dia do seu centenário, Fabiana Cozza invocou seu nome no palco da Casa de Francisca.

"Eu preciso escrever essa sensação, mas não posso pegar meu celular". Foi isso que eu pensei na primeira música que Fabiana Cozza cantou Dona Ivone Lara. Emocionada e feliz, com o corpo todo arrepiado. Fabiana conversa cantando, sua voz abraça o mundo inteiro.

Ouvir Fabiana cantando é como ouvir o sagrado, atrelado à religião, à memória, à natureza. É canto, é reza, é dança, é presença, é ancestralidade e é toda uma história ali presente. Não sei, talvez eu nunca tenha vivido aquela imensidão. A presença de Dona Ivone Lara era forte, era como se segurasse a mão de Fabiana, no compasso do samba e do movimento no palco.

Fechei os olhos, deixei as lágrimas escorrerem pelo rosto, o peito subia e descia pela roupa toda. A música estava dentro de mim e dentro de todas as pessoas ali. Juntas, fomos transportadas para um lugar longe dali..

"Eu me perdi no canto do meu viver Sem saber a razão de tanto sofrer / Só quis cantar o amor, viver o amor que ataca minha alma em uma chama intensa que não se acalma / Hoje falando a sós com meu coração / Sinto que até cheguei perto da razão / É o amor, a pedra mais valiosa / Que pra se lapidar necessita carinho / Constante pra ela brilhar / Sentimento profundo a criar / Ansiedade e desejo de querer se dar / Alegria e tristeza e desilusão / E a saudade fazendo uma eterna canção / E amando quem nunca se perdeu / Só passou pela vida e não viveu / Ao deixar esquecida lá no fundo do peito / Essa emoção que faz o mundo se agitar" - Cantou Fabiana Cozza com as bênçãos de Dona Ivone Lara.

Que coisa bonita e inteira.

Ao entrar no palco agradeceu, sorriu um sorriso lindo e nos lembrou de tempos de encontros e civilidade, coisa que nosso país precisa recuperar com urgência. E sem dizer uma palavra a mais, nos apresentou, por meio do olhar, a generosidade com a qual precisamos olhar para o mundo. Desfilou com amor, entrega e movimento.

Que bonito viver no mesmo tempo de Fabiana Cozza, que bom ouvir em sua voz, a voz de muitas: Dona Ivone Lara, Clara Nunes e tantas mulheres que nos fazem reviver a história e trilhar caminhos para um país melhor.

Cantar a rainha do samba é lembrar como ela foi desbravadora, já que abriu as portas e janelas para as mulheres nos barracões, rodas de samba nas ruas e nos bares e nos terreiros.

Obrigada, Fabiana Cozza!
Salva Dona Ivone Lara, salve o samba!