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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um país liderado por jagunços armados

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Imagem: iStock

17/02/2022 06h00

Toda vez que escrevo penso que não sou escritora, meu jeito de escrever é um vai e vem de possibilidades. É sobre isso, sobre o que eu toco e vejo, e sobre aquilo, uma mistura importante da vida real. Do amor à indignação.

Essa semana me peguei pensando sobre o limite de tudo. Qual será o limite da destruição e da barbárie? Pensei sobre isso enquanto ouvia um podcast sobre a morte do Jonatas Oliveira, de 9 anos, assassinado embaixo da cama em sua própria casa, na tentativa de se esconder dos tiros, em Barreiros, Pernambuco.

Que dor, que dor, que dor!

Em uma entrevista, o pai do Jonatas, o líder comunitário Geovane da Silva Santos, disse que "A dor que eu estou sentindo hoje, eu não peço para ninguém. Nunca, nem para o pior inimigo". Não consigo imaginar essa dor, Seu Geovane.

O Brasil trata com naturalidade a morte de crianças e de jovens negros, e tem na conta uma lista enorme de pessoas assassinadas, na cidade ou no campo, pela polícia ou por jagunços do agronegócio. Esse é o recorte trágico da disputa por terra no Brasil. Em 2020, primeiro ano da pandemia e o último com dados consolidados disponíveis, o país registrou mais de 1.500 conflitos de terra, recorde desde 1985.

A Comissão Pastoral da Terra aponta um aumento de 30% nos assassinatos derivados desses conflitos, crimes cuja investigação não dá em nada, assim como a maioria dos casos de mortes de pessoas negras no Brasil - país onde matar índios, quilombolas e sem-terra é prática comum.

Jonatas tinha 9 anos, e, segundo relatos de conhecidos, era um menino gente boa, aluno do 4º ano do ensino fundamental, um garoto alegre demais. Tentou se proteger da barbárie que é viver nas áreas rurais desse país, tentou se proteger da morte sob a gestão de um governo do deixar morrer.

Grilagem, garimpo ilegal, incontáveis assassinatos, trabalho escravo, desmatamento em diversos biomas do país, uso indiscriminado de agrotóxicos liberados pelas bancadas ruralistas. Tudo isso alarga o limite da destruição e da barbárie, deixando sulcos profundos nas pessoas e na terra. Há quem diga que "não é bem assim, o agronegócio tem suas partes boas", para quem? A pergunta, na verdade, é quem permanece vivo nas disputas por terras neste país?

E quem se comove de verdade?

Centenas de crianças seguem no Engenho Roncadorzinho, Mata Sul de Pernambuco, onde assassinaram Jonatas. A segurança, a vida e o bem-estar delas são responsabilidade do Estado, do governador e do presidente. Não interessa a hierarquia!

O agronegócio é um perigo para a sobrevivência das pessoas neste país, ele mata e desmata. Ele envenena e gera fome.

Um abraço apertado a família do Jonatas, sinto muito, muito.
Sinto pela pouca visibilidade da imprensa nacional, sinto pelo descaso do Estado, sinto por tudo, Seu Geovane.

Me lembrei do Mestre Nêgo Bispo

"Fogo!? Queimaram Palmares,
Nasceu Canudos.
Fogo!? Queimaram Canudos,
Nasceu Caldeirões.
Fogo!? Queimaram Caldeirões,
Nasceu Pau de Colher.
Fogo!? Queimaram Pau de Colher?
E nasceram, e nascerão tantas outras comunidades que os vão cansar se continuarem queimando.
Porque mesmo que queimem a escrita
Não queimarão a oralidade.
Mesmo que queimem os símbolos,
Não queimarão os significados.
Mesmo queimando o nosso povo,
Não queimarão a ancestralidade."