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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em um país negro e racista, no coração da América Latina

Elza Soares no palco, em foto publicada em 2021 - Reprodução/Instagram/victorvieiraph
Elza Soares no palco, em foto publicada em 2021 Imagem: Reprodução/Instagram/victorvieiraph

27/01/2022 17h48

Esses dias fui rever o show que Maria Bethânia fez na semana do carnaval, ano passado. É absurdamente lindo. Tem uma imensidão de força, uma coisa inexplicável conectada com um invisível que sabemos que nos protege. Vontade de deitar quentinha e ouvir Bethânia, ou pegar um abraço gostoso.

Pensa só que sorte.
Ouvindo Bethânia eu me lembrei de Elza Soares, afinal o eterno nunca acaba. A rainha cantou até o fim.

Nos últimos dias - ainda tentando me conectar com o mundo, no vento forte que faz perder o equilíbrio -, comecei a fazer uma lista de sambistas que perdemos nos últimos três anos. Coisa inexplicável, eu acho. Você poderia me explicar as causas, o descanso. Eu entendo e agradeço as explicações.

Só me pergunto como a gente registra o eterno, o presente. Como a gente permanece sentindo esse vento sem esquecer que quem nos toca o corpo e a alma foram grandes inventores de tempos, que nos guiaram com música, mas pela política e pela força de sobreviver?

Quem registra a permanência da existência? Em um país como esse aqui, o Brasil, que em um programa de televisão uma jornalista se atreve a ser racista com um dos maiores eternos, como Martinho da Vila. Colocado em roda viva para ser desrespeitado por quem não entende nada sobre tudo até aqui.

Os movimentos registram, estudam, aprofundam e celebram a existência de quem chegou antes. "Em um país negro e racista, no coração da América Latina", como cantou Bethânia. Um país em que os jornalistas brancos se acham heróis e desconhecem a verdadeira história.

A conduta do jornalismo branco, que se acha justiceiro, que brada pela parcialidade, que briga pela liberdade de expressão, que se dá muita importância por defender uma democracia que só chega nos seus jantares com bebida cara servido por trabalhadores negros.

Caros jornalistas brancos da elite brasileira, deve ser um lugar confortável fazer uma coisa ou outra para se autodenominar antirracista, mas no fundo apoiar supremacistas brancos e validar espaços para que eles discorram em textos ruins sobre isso. E depois dizer que é liberdade de expressão, ou que tem chamado gente negra para seu programa (às vezes), ou que tem um programa interno para fingir uma diversidade.

Acho que esse assunto já é velho, velho até sair outro artigo racista na Folha de S. Paulo. E uma população pequena de homens brancos usarem o Twitter para defender a liberdade. Reclamarem que não há espaço para as diferentes ideias.

Racismo é racismo, pelo menos leiam os intelectuais negros e acompanhem o tamanho e a importância do movimento negro.

Amarelo não é a cor da defesa da democracia, amarelo é a cor de uma democracia inventada e racista.

Alguns podem tentar não contar a história direito, fingir e ignorar. Mas outros tantos mais estão todos os dias fazendo com que a memória seja eterna, assim como Elza é eterna.