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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uma saudade do futuro sem os fracos

sharply_done/iStock
Imagem: sharply_done/iStock

Mariana Belmont

21/10/2021 06h00

Em algum momento da pandemia essa frase do título, que é do Murilo Mendes, esteve em todo canto. Em postagens de fotos bonitas, quadros e textos. Era uma afirmação direta, urgente e desesperada da saudade de algo que não se sabe ainda como vai ser, que talvez a gente nunca entenda.

"Que saudade do futuro."

Sempre que me deparo com essa frase imagino o que Murilo diria sobre esse futuro, o agora. Sobre o presente, o que pensou em 1945 para escrever algo verdadeiramente atual e urgente?

Para viver o futuro a gente leva junto o que vivemos no passado e no presente, arrastamos dentro de um saco onde acumulamos tudo. Grandes momentos, tristes, felizes, filhos, marido, solidão e amigos. A gente leva uma história inteira, só com ela a gente consegue desenhar e chegar ao futuro.

Quando leio "Que saudade do futuro", me imagino correndo em uma estrada escura durante o dia. Vivendo em uma terra de grandes desgraçados, homens todos vestidos de ternos, sorrisos cínicos de morte. Aquela gargalhada de quem te rouba a vida e sai andando pingando sangue das mãos, limpando na calça. Um corpo torto, cheio de cicatrizes como nos filmes, e que cheira mal. Ninguém se importa.

E mais um coitado ficou para trás, caído, morto e sem ar. Nada é mais como nos filmes, o genocídio e o extermínio tá aí, em horário comercial e fazendo hora extra. Sempre esteve, a pandemia veio em ótimo momento para os desgraçados de terno.

Eu fico escrevendo, esperando que a gente entenda. Outro dia escrevi vários textos sobre a fome, mas a burguesia não se importa muito. Aí queria escrever mais e acho que não adianta. Escrever sobre a desgraça humana, narrar a história em tempo real, mas tudo com o fígado debilitado. Para quem tudo isso faz mesmo sentido?

Será que quando Murilo escreveu "Que saudade do futuro" ele achou que ainda haveria de ter um colunista da Folha de S. Paulo escrevendo textos racistas em 2021? Não sei, não conheci o Murilo, não sei quem ele era. Mas imagino aqui que, se eu tenho saudade do futuro, tenho saudade de um lugar em que a imprensa não compactue com tamanha barbárie e terror.

Ninguém se importa.

Eu nunca mais senti aquela alegria de explodir o peito, você já sentiu isso? Eu senti, mas acho que faz tempo, não consigo lembrar. Aquela coisa que deixa a gente sem ar, com o corpo molinho e com vontade de falar e abraçar as pessoas. Não importa o tamanho da coisa, é tudo bonito e intenso, seu corpo sentiu.

Eu acho que na verdade estou cansada, mas quem não está? Cansei de falar que cansei de estar cansada. Nada me agrada mais, eu não consigo abraçar sem querer ficar agarrada nas pessoas e pedir para que elas me carreguem daqui, "vamos correr daqui". "Não dá, temos tanto a fazer ainda".

Ano que vem tem eleições e eu só consigo pensar que gostaria de dar um mergulho no mar, ficar lá por horas olhando tudo em volta, sem ouvir as vozes ou olhar o zoom. É tudo que eu queria hoje. Tudo está errado e fora do lugar, uma vontade de gritar.

Eu olho e vejo tudo errado.

Mas "Que saudade do futuro", Murilo. Saudade de mim, de tudo que ainda é impossível saber. Saudade de um país livre. Saudade de não ter medo. Tudo no futuro, ou agora.

No país de Bolsonaro e de colunistas racistas não há tempo para choramingar por um destino ainda não descoberto, mas dá para sonhar e lutar incansavelmente por tempos e futuros mais livres.

Por sentir saudade do futuro vou lutar para que ele exista para muitos de nós. Com quem quero viver num mundo em que a gente não tenha medo dos fracos.