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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bater sua panela não vai salvar o país

Maria PonomarioVA/Getty Images
Imagem: Maria PonomarioVA/Getty Images

Mariana Belmont

17/06/2021 11h38

Na semana que passou eu estava pronta para cair, já sentiu isso? Aquele tropeço, aquela música alta e aquele olhar distante que se vê focado no momento da queda. Mas meu olhar sequer piscou. À frente uma janela aberta com vista para a parede do outro prédio. Cheia de céu, tudo me engolia.

Um incômodo que transborda, em um país que não consegue processar e finalizar o luto: a todo momento alguém morre e não conseguimos nos despedir ou encontrar uma brecha para pelo menos sofrer com tranquilidade. Morre de tiro, morre de vírus, morre de fome e morre de tristeza. Sim, sigo sendo repetitiva, afinal é preciso contar, recontar o que está acontecendo! E se tiver alguma dúvida sobre a distopia e disparate que estamos todos vivendo, segue a equação abaixo:

Se o assunto central não for a fome, está errado.

Se o assunto central não for a miséria do valor do auxílio emergencial, está errado.

Se o assunto não for o genocídio da população negra pobre e periférica, está errado.

Se o assunto não for a falta de vacina por culpa do governo federal, está errado.

Se a manchete dos jornais não denunciar a morte dos corpos negros, está errado.

Se a manchete dos jornais chama de operação policial aquilo que é execução premeditada, está errado.

Se não entendemos que o que está acontecendo se chama genocídio da população negra, está errado.

Afinal, nunca foi sobre bala perdida, mas sobre vidas perdidas. E essas vidas têm classe social e têm cor.

Uma vez, ao ler um artigo de um amigo branco sobre o racismo, questionei que em nenhum pedaço do texto ele colocava a palavra genocídio. Ele me respondeu que não achava que o que se passa é genocídio, e que essa palavra era forte demais para ser usada. Bom, houve uma discussão e um problema grande na nossa relação ali.

Acho fundamental que o último texto da Bianca Santana aqui no Ecoa-UOL seja lido e relido. Aula triste, mas que deveríamos ter na faculdade de jornalismo.

Tá errado, gente. Errado!

Errado, porque ao não nomear, ignoramos a realidade e a vida das pessoas, reduzimos tudo a números e invisibilizamos a história. E não, não adianta ir para a sacada bater panela, gritar e se sentir bem com isso. Não é sobre aliviar o estresse individual. É sobre pensar, agir e transformar o coletivo.

Há uma semana perdi um amigo, militante do movimento negro, pai e sambista. Ele estava na linha de frente, ajudando as pessoas, carregando cestas básicas, cozinhando marmitas para as famílias que seguem com fome por toda a cidade. Eu não consigo dizer o tamanho da dor que a família desse amigo está sentindo. Só consigo dizer uma coisa: caros homens brancos da elite que se reúnem para um vinho caro, o vídeo e o fio de análise de vocês não salvaram vidas. Quem segue fazendo o papel do estado e salvando as pessoas é o movimento negro.

Não consegui escrever na semana passada, foi impossível. E segue impossível. Ainda mais eu que acredito que para escrever - a partir de dentro, com poesia, grandeza e criatividade - é necessário espaço para respirar. E não, não temos tido esse espaço. Tá sempre muito difícil escrever sobre sonhos, sobre políticas públicas que deveriam existir, sobre possibilidades de horizontes.

Nem vontade de levantar da cama eu tenho.

Eu queria mesmo um abraço, sabe? Mas estou aqui pronta para cair, esperando que semana que vem seja melhor que essa, mas pronta para cair.