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Mariana Belmont

#ForaRicardoSalles é o presente para o meio ambiente no Brasil

11/06/2020 04h00

Estamos chegando lá (onde mesmo?): rumo aos 100 dias de pandemia.

E no mês do meio ambiente, o Brasil segue sem nada para comemorar. O desmatamento na Amazônia passou de 10 mil km² entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com números oficiais do governo federal, divulgados na última terça-feira, de junho, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Veja, se trata de um aumento de 34,4% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que registrou 7.536 km² de área desmatada. Trata-se do segundo maior aumento percentual já registrado no bioma, ficando atrás somente do ano de 1995.

Estamos brincando com fogo, em muitos casos, literalmente. Como disse Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), "a Amazônia tem a maior quantidade de microorganismos do mundo. E estamos perturbando o sistema o tempo todo, com populações urbanas se aproximando, desmatamento e comércio de animais silvestres. Então, talvez tenha sido sorte que a pandemia não tenha começado no Brasil".

Ainda falando em números, o Brasil teve um total de 0% de sorte ao instituir Ricardo Salles como ministro do Meio Ambiente - "defensor" das florestas, biomas e povos e comunidades da floresta. Não por acaso, o "estouro da boiada" no desmatamento da Amazônia coincidiu com o período eleitoral de 2018 - que, na minha sincera opinião, deveria entrar para o ranking como a maior desgraça que o país já teve que passar. Ou melhor, estamos passando. Foi lá, durante a disputa presidencial, que Bolsonaro, ainda candidato, criticou a fiscalização do Ibama e disse que o país tinha excesso de unidades de conservação e de terras indígenas.

Na semana passada, na véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado todo dia 5 de junho desde a Conferência de Estocolmo em 1972, o governo federal colocou na rua a ousada estratégia de degradação da Mata Atlântica, buscando no Supremo Tribunal Federal a legalização de ilícitos ambientais. O ministro do Meio Ambiente não foi capaz de sustentar e revogou um despacho de sua autoria, assinado no mês de abril, em plena pandemia, que regularizava desmatamentos ilegais em Áreas de Preservação Permanente (APPs, até 2008), na Mata Atlântica.

Em reunião ministerial, realizada no dia 22 de abril de 2020, a ansiedade central era a bomba trazida por Sérgio Moro. Já Ricardo Salles, ciente que os holofotes da imprensa estavam focados no enredo do ex-ministro da Justiça e na cobertura dos impactos da Covid-19, não deixou a oportunidade passar: para ele, o governo federal deveria aproveitar o contexto para "ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas". E disse com todas as letras e sem constrangimento: "Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Só se fala de Covid". Era, segundo ele, o tempo perfeito (a ocasião faz o ladrão, lembra?) para a adoção de reformas infralegais de desregulamentação.

Enquanto isso, no Brasil de 2020, em que a notícia fica velha em menos de 20 minutos - não há tempo, tudo é urgente e tudo é ameaça, vindo do governo federal - a imprensa e as organizações da sociedade civil correm esbaforidas na tentativa de desmentir, repudiar e criar novas formas de enfrentar a "boiada" que vem passando em todos os lugares do país. É descontrole atrás de descontrole.

Pois bem, assim como na promessa de campanha, o trabalho de degradação e desmonte de políticas ambientais de fiscalização, participação e proteção, segue sendo aplicado com muito empenho por nossos governantes.

Não me impressiona o talento do ministro Ricardo Salles. Em 2017, ele se tornou réu em um processo por improbidade administrativa. Era então secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, no governo Geraldo Alckmin, e foi acusado pelo Ministério Público de fraudar o processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, em 2016, para beneficiar empresas mineradoras. Em dezembro de 2018, já escolhido para o ministério de Bolsonaro, foi condenado em primeira instância. Salles recorreu.

Olha, a lista de casos que corroboram para o desmonte é enorme, por isso na última segunda-feira foi lançada a Fakebook.eco, plataforma que tem como objetivo esclarecer, verificar e contestar mentiras que alguns atores políticos, especialmente do governo federal, espalham para justificar o desmantelamento da política ambiental brasileira.

Fruto da junção de dois outros projetos, o Fakebook, produzido em 2019 pelo Observatório do Clima, Greenpeace e ClimaInfo, e o Agromitômetro, iniciativa de checagem de informações ambientais do Observatório, existente desde 2018, a plataforma busca sistematizar, de maneira didática, o conhecimento essencial sobre os principais mitos, distorções e mal-entendidos que rondam o debate ambiental no Brasil. Na prática, funciona como um repositório onde mitos comuns (as "falácias frequentes") são desfeitos, além de disponibilizar ferramentas para verificações rápidas ("verificamos") de declarações de autoridades e fake news. O site contém ainda um canal pelo qual o público pode enviar notícias suspeitas para averiguação.

Vale a pena ler também um artigo exclusivo assinado por Ricardo Galvão, físico eleito pela revista Nature como uma das dez pessoas que fizeram a diferença para a ciência em 2019. Professor da USP, Galvão foi diretor do Inpe até julho do ano passado, quando foi demitido por Jair Bolsonaro, que tentou desacreditar os dados de monitoramento de desmatamento do Instituto. No texto, o físico apresenta as perspectivas para a Amazônia diante da operação do Exército de controle do desmate, iniciada em maio.

A plataforma Fakebook.eco, em pouco tempo, já se configura como um espaço super importante para reunir informações diante da falta de responsabilidade ambiental do governo federal. E como você vai observar, o ministro do Meio Ambiente (será que não está na hora de mudar o nome desse ministério?), Ricardo Salles, é sempre o ator principal da política da motosserra.

Uma coisa é certa e os dados estão aí para quem quiser ver, o Brasil sofrerá grandes e irreparáveis consequências da destruição de nossas florestas. Infelizmente, a crise social, econômica e ambiental gerada pela Covid-19 é apenas o início do que o planeta e as futuras gerações vão enfrentar se não respondermos imediatamente à emergência ambiental colocada.

Até o fechamento desta coluna, o Brasil tinha 38.406 mortos e 739.503 casos oficiais confirmados. Entre os óbitos, 85 indígenas e 65 quilombolas. A política genocida do extermínio de povos e comunidades da floresta também está na conta do governo Jair Bolsonaro.