Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Sobre ser 'cachorra' e livre
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Dia desses fui comprar um presente para uma amiga que ama livros, então, claramente, fui a uma livraria. Encontrei várias coisas e achei algo que lhe interessasse. Mal sabia eu que, no meio de todos aqueles livros de auto-ajuda e de literatura best-seller, encontraria uma seção com livros mais questionadores.
Foi nessa seção que encontrei um que me interessou bastante: o ensaio feminista "Devir cachorra" (N-1 Edições), da jornalista basca Itziar Ziga. Comprei o livro, mas só agora tive tempo de lê-lo. Ainda não o terminei, mas para o que escreverei aqui, não fará tanta diferença. Muito diferentemente de uma resenha crítica, feita com um rigor metodológico, quero trazer algumas reflexões que tive ao ler o ensaio.
Ziga fala sobre as "cachorras", amigas suas que, livres das amarras do patriarcado sufocante, contestam-no. Usam e abusam da feminilidade e da sexualidade para mostrarem-se livres dos julgamentos. Denominam-se radicais, mas não como aquelas movimentações que ao final são apenas míopes e preconceituosas: são radicais pois buscam resolver as contradições do feminismo em sua raiz, e são radicais porque buscam derrotar o patriarcado com as armas que o próprio usa.
Uma afirmação me marcou bastante durante a leitura: a de que, para o patriarcado, a mulher só pode ter dois caminhos, esposa e "puta". E isso é bem verdade. Aquela que não é esposa, que não se anula para um homem padrão, só pode ser "puta", e como "puta" será tratada, na pior acepção da palavra: um corpo público, desprovido de autonomia, de que todo mundo pode se aproveitar.
Ser esposa é difícil, até porque nem todo mundo pode ser esposa. O arquétipo da esposa é muito delimitado, e qualquer coisa que escape a esse arquétipo automaticamente transforma a mulher em "puta". Então, por que não assumirmos que a qualquer momento seremos "putas" mesmo e mostrar ao patriarcado que não nos importamos?
A nossa feminilidade, ou melhor, a nossa mulheridade, vale mais que esses julgamentos, e mesmo esse conceito é fluido. Quer dizer, se pensarmos na famosíssima frase de Beauvoir, e pensarmos depois nos estudos queer contemporâneos como os de Butler e de Preciado, nem mesmo os gêneros são construções estanques. Podemos brincar com essas noções binárias e fantasiosas de como devem ser os papéis de gênero, e Ziga traz vários exemplos disso ao longo do livro.
Quando terminar o pouco que me resta do livro, talvez eu tenha mais material para uma próxima coluna. Mas o que já li serviu para a reflexão sobre o tanto que nos podamos em nossas representações pessoais para evitarmos o inevitável. Nem todo mundo vai conseguir (ou vai querer) chegar às representações das "cachorras" descritas no livro, mas podemos aprender com elas a criar caminhos de libertação para lutar lucidamente contra o patriarcado.
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