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Mari Rodrigues

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Refletindo sobre uma visita à Bienal de São Paulo

A colunista Mari Rodrigues na 34ª Bienal de São Paulo - Arquivo Pessoal
A colunista Mari Rodrigues na 34ª Bienal de São Paulo Imagem: Arquivo Pessoal

16/10/2021 06h00

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Esta semana fui com uma amiga à 34ª Bienal de Artes de São Paulo. Com o tema "Faz escuro mas eu canto", é uma exposição das mais variadas artes contemporâneas que têm a proposta de fazer discutir sobre como a arte pode iluminar momentos tão obscuros como estes em que estamos vivendo atualmente.

Já no começo, deparo-me com um impactante vídeo sobre como os colonizadores utilizaram-se das partes do corpo, cabeças, mãos, como troféus de suas conquistas e como moeda de troca com os povos originários que, escravizados e quase sem defesa, rendiam-se a essa troca autofágica.

E isso me fez pensar em algumas coisas: de que forma o pensamento colonialista ainda está impregnado em nosso pensamento contemporâneo? Arte indígena estava exposta aqui e acolá. Um grupo de teatro peruano expunha os artefatos usados nas suas mordazes e providenciais intervenções.

Cada objeto nos fazia pensar um pouco sobre como desprezamos os povos originários em favor de uma cultura dita "civilizada", mas que foi responsável por tanta barbárie. E fazemos isso diariamente: no Brasil, consumir a rica arte de nossos vizinhos da América Latina é algo de nicho, e pouco valorizado. Preferimos o que vem da Europa, dos Estados Unidos; é o pensamento colonialista impregnado.

Viramos as costas até mesmo para o que é produzido aqui em nosso país. Salas falavam sobre os rituais do candomblé, tão marginalizado em nossa sociedade. Em outra, apareciam algumas cartas de um preso político da ditadura para seu filho. Não me debrucei sobre todas as cartas, mas as que eu li mostravam uma esperança em meio ao caos. Esperança que a gente precisa alimentar mais do que nunca.

Um outro painel me intrigou especialmente. Numa parede estavam expostos vários retratos de um mesmo homem, negro, já com seus cinquenta anos. Brinquei com minha amiga: "foi o precursor do Instagram". Risos contidos foram dados. Mas ao ler a descrição do painel, entendi tudo.

Tratava-se de Frederick Douglass, um dos grandes ativistas pela abolição da escravatura nos Estados Unidos. Tantos retratos não eram apenas uma vontade narcísica, e sim uma crença pessoal de que a visibilidade dele poderia empoderar o negro e torná-lo mais forte na luta contra a servidão.

E traçamos um paralelo com a nossa contemporaneidade. Aparecer para certas populações não é tão somente uma vontade pessoal. É um grito coletivo de resistência, pois mostra que também estamos aqui e podemos estar aqui. Tirando fotos, escrevendo colunas, apresentando noticiários.

A exposição está muito boa, ouso dizer que é uma das melhores que já vi das bienais que visitei. É um soco no estômago necessário para que repensemos qual tipo de transformação queremos: uma voltada para as mesmas bases de barbárie a que nos acostumamos desde a colonização? Ou uma nova, em que os saberes originários são valorizados?