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Mari Rodrigues

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que (não) falar com iguais me atormenta?

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Imagem: iStock

15/05/2021 06h00

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Hoje vou fazer diferente: quero falar de sensações, coisa que não faço com tanta intensidade aqui na coluna. No momento em que escrevo este texto, acabo de ler um texto da Marina Mathey, aqui em ECOA mesmo, que de tão incrível, me gerou gatilhos emocionais tremendos. Preciso me perguntar por que sinto tanta vergonha de falar com tanta assertividade e por que não me sinto confortável em dialogar desta forma.

As urgências de afeto e de respeito das pessoas trans gritam. Muitas vezes estes "afetos", como bem pontuou a colega, são sempre acompanhados de desrespeito e violência. Já falei sobre este tema na minha coluna, mais sob o viés da rejeição que sobre o viés da violência. A rejeição é uma das facetas da violência, e talvez por tê-la visto mais que a violência física propriamente dita, é mais confortável para mim falar dela.

A questão aqui será lançada para as pessoas trans que me acompanham: será que sou tão higienista assim ao ver de vocês? Por que o meu ponto está tão fora da curva que não consigo me conectar de verdade? Participei de grupos de pessoas trans e nunca me senti acolhida, talvez por estar numa situação tão diferente da maioria delas, por não compartilhar de certas estratégias de luta ou mesmo por não ter certos maneirismos. Os grupos de maioria de pessoas cis sempre me pareceram, pasmem, mais acolhedores, ainda que saiba o meu lugar nesses grupos.

E isso me entristece. Tenho plena consciência de que somos nós por nós, e nenhuma pessoa cis vai entender com plenitude todos os percalços pelos quais as pessoas trans passam; podem apenas imaginar e empatizar com a situação. A "síndrome de impostora" ataca fortemente. Não quero me fazer de coitada, muito pelo contrário. Apenas estou constatando uma falta de conexão.

Não nego que sou uma pessoa cercada de alguns privilégios. Nunca precisei da rua para tirar meu sustento, como tantas. Fui bem recebida enquanto pessoa nos espaços em que circulo. Tenho um bocado de amigos. A afetividade é um problema, mas quem nunca sofreu por amores não correspondidos?

Até que ponto estes privilégios me afastam daquelas pessoas que passam por sofrimentos parecidos com os meus? Por que me sinto às vezes envergonhada de falar com essas pessoas? Será que sou julgada por essas pessoas? São tantas questões que não cabem num texto, mas que tampouco cabem na minha mente atordoada pelo deslocamento nesses dois mundos, cis e trans, tão diferentes.