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Mara Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desperdício e descaso nas ecobarreiras da Baía de Guanabara

A engenheira e pesquisadora Maria Fernanda Bastos ao lado da ecobarreira do rio Meriti, no Rio de Janeiro  - Arquivo Pessoal
A engenheira e pesquisadora Maria Fernanda Bastos ao lado da ecobarreira do rio Meriti, no Rio de Janeiro Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

07/07/2022 06h00

Em plena década dos oceanos, período de 2021 a 2030 escolhido pela ONU para incentivar o desenvolvimento sustentável e a proteção aos recursos marítimos, o Brasil trata mal de projetos para mitigar a poluição gerada em terra e enviada ao mar e as experiências já testadas com esses projetos.

Um exemplo é o descaso com as ecobarreiras instaladas em alguns dos afluentes da Baía de Guanabara. A operação está interrompida porque o contrato com a empresa responsável expirou e não foi escolhida a empresa que fará sua operação. De janeiro a junho, 3,5 mil toneladas de lixo foram filtradas nas ecobarreiras que ainda estavam em funcionamento, de acordo com o Inea, Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro.

Um levantamento feito pela engenheira Maria Fernanda Bastos para sua tese de mestrado sobre o tema, apresentada em 2021, mostra que, de 2004, quando foram instaladas como projeto piloto, até 2020, as 17 barreiras impediram que 11,5 toneladas diárias chegassem à Baía. Estimativas de vários autores apontam que a Baía recebe diariamente 90 toneladas de lixo. No período de 16 anos analisado pela pesquisadora, foram filtradas 34 mil toneladas de lixo flutuante, ou, para ajudar a visualizar o volume, 62 piscinas olímpicas de lixo (em cada piscina cabem 2.500 metros cúbicos).

Nos últimos cinco anos, as ecobarreiras retiveram cerca de 18 mil toneladas de resíduos. Em 2017, foram retiradas 924 toneladas de resíduos das ecobarreiras em apenas um mês. No ano de 2017, foram 6.888 toneladas, caindo para 2,7 mil em 2018, 2,5 mil em 2019, 2,2 mil em 2020 e subindo para 3,7 mil em 2021, de acordo com os dados do Inea.

"Embora tenham sido implantadas como uma ação mitigatória, elas se transformaram em uma medida estrutural eficiente", diz Maria Fernanda.

O lixo retido é em grande parte composto por plásticos e despejado pelos moradores dos arredores dos afluentes. "Os rios são usados como lixões", diz a pesquisadora.

O estudo de Maria Fernanda também aponta que o custo de recolhimento deste lixo é sete vezes maior que o custo de coleta de resíduos regular. "A coleta em comunidades, onde o morador tem que levar o lixo para um ponto específico não parece eficiente. Enquanto não houver um devido investimento na área, talvez um programa de recompensa pode surgir efeito para diminuir a quantidade de lixo que é despejada nos rios", afirma.

O projeto Rio Ecobarreira foi concebido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e envolvia a instalação das barreiras flutuantes para a remoção e reciclagem do lixo, com o objetivo desenvolver ações imediatas para recuperação ambiental e ao mesmo tempo gerar empregos e renda para as comunidades locais.

O monitoramento inicial foi feito pela FGV, com a ajuda de integrantes do Programa Jovens pela Paz, que eram treinados para atuar na coleta e reciclagem de lixo, como ecogaris, e recebiam parcela da receita obtida com a reciclagem. Foram instalados ecopontos junto às ecobarreiras, onde o lixo removido era separado e a parte reciclável destinada à venda. Também fez parte do projeto a contratação de ecobarcos, para a limpeza de lixo flutuante em alguns dos rios. O material retirado era separado e classificado. Havia um convênio do Estado com fabricantes de pneu, que coletavam os mesmos. A madeira também era coletada para reaproveitamento.

Os ecopontos instalados tiveram um bom desempenho quanto à quantidade de lixo reciclável recolhida, segundo o estudo de Maria Fernanda. No programa de logística reversa, 7.604 pneus foram retirados das ecobarreiras de 2004 a 2015.

"Atualmente, os ecopontos não estão mais em operação, não existem mais convênios com as empresas de pneu, nem a com a de madeira, ou seja, esses resíduos não são aproveitados e viram lixo", diz a pesquisadora.

As barreiras não são a solução única para a poluição dos rios e do mar, evidentemente, mas deixar de contar com esse tipo de filtragem, ainda mais quando já está instalado, é absurdo. "Com manutenção adequada, elas representam um instrumento eficiente. Além disso, jogam na cara da sociedade a quantidade de lixo que vai para os rios, por causa da coleta precária de resíduos, que não atinge as moradias das margens dos rios", finaliza Maria Fernanda.