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Mara Gama

REPORTAGEM

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Obra do Butantan ameaça Ponto de Economia Solidária do bairro

Casa onde se localiza o Ponto de Economia Solidária - Ponto de Economia Solidária
Casa onde se localiza o Ponto de Economia Solidária Imagem: Ponto de Economia Solidária

19/05/2022 06h00

Uma expansão planejada pelo Instituto Butantan, em São Paulo, pode desalojar um local emblemático para a economia solidária e a luta antimanicomial na cidade.

Numa casa no bairro do Butantã funciona, desde 2016, o Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã. O local conta com livraria, refeitório, entreposto, horta e um núcleo de comercialização de alimentos orgânicos, num sistema aberto e participativo entre profissionais da saúde, moradores do bairro e pessoas com transtornos mentais ou necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

O Ponto foi implantado como estratégia de reabilitação psicossocial da Rede de Atenção Psicossocial Oeste de São Paulo, para promover inclusão social pelo trabalho. Ele segue o que está previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216), publicada em abril de 2001, que indica a substituição progressiva dos manicômios no país por uma rede de serviços que entendem os cuidados em liberdade como fundamentais para o tratamento terapêutico.

O Ponto virou referência na região por causa dessa função terapêutica aliada a práticas de cooperativismo social. Os cinco empreendimentos em operação -- Comedoria Quiririm, Orgânicos no Ponto, Livraria Louca Sabedoria, Loja Pé a Biru e horta Quintal do Teiú -- funcionam com gestão compartilhada com os 22 trabalhadores.

Segundo um manifesto elaborado pelos moradores do bairro, o imóvel da avenida Corifeu de Azevedo Marques, 250 foi solicitado pelo Instituto Butantan para fazer um novo portão de entrada.

O Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã conta com horta e um núcleo de comercialização de alimentos orgânicos - Ponto de Economia Solidária - Ponto de Economia Solidária
O Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã conta com horta e um núcleo de comercialização de alimentos orgânicos
Imagem: Ponto de Economia Solidária

"Compreendemos a necessidade de investimento na área de trabalho do Instituto, mas manifestamos a importância dos serviços públicos que existem no seu entorno. Acreditamos que o Ponto e o Instituto Butantan podem ser parceiros e conviver em colaboração como vizinhos e promotores de saúde. O Ponto Butantã é vacina contra a exclusão social e contra o preconceito. Apoie essa causa!", diz o manifesto.

O terreno do Ponto está numa margem do rio Pirajussara Mirim e na região da antiga Estrada de Osasco, áreas de preservação histórica e arqueológica.

A notícia de que obras de expansão desalojariam alguns equipamentos públicos do entorno do terreno do Instituto circula de forma intermitente desde 2019.

Segundo a conselheira do Ponto de Economia Solidária Sonia Império Hamburger, em uma reunião em agosto de 2021 com uma representante do departamento jurídico do Butantan, o Instituto disse que abriria mão da solicitação do terreno. Porém, em abril de 2022, preocupadas com uma nova onda de notícias desencontradas sobre as obras de expansão, as entidades representativas do bairro entraram em contato de novo para pedir informações. Dessa vez, os advogados do Instituto disseram que o terreno seria incorporado às obras.

"Apesar de solicitarmos ao Instituto uma apresentação do projeto de expansão para que a comunidade tivesse ciência dos impactos das atividades projetadas, não conseguimos", diz Sonia.

Com a intermediação do vereador Eduardo Suplicy, uma reunião presencial foi marcada para a sexta (20) com representantes do Instituto e da Rede Butantã, que reúne desde o ano 2000 organizações não governamentais, líderes comunitários, coletivos, movimentos sociais, profissionais e moradores dos distritos Butantã, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Vila Sônia e Morumbi.

Nesta quinta (19) e na sexta-feira (20), o Ponto terá diversas atividades para divulgar a importância do espaço e convida para um abraço em defesa do local.

Procurei o Instituto Butantan desde a segunda-feira (16) pedindo detalhes do plano de expansão, qual seria o cronograma de obras, se o imóvel ocupado pelo Ponto Solidário está dentro do plano e se haveria alguma chance de o despejo não acontecer. A assessoria de imprensa do Instituto enviou a seguinte resposta:

"O Instituto Butantan esclarece que é detentor de 80% do terreno onde hoje está instalado o Ponto de Economia Solidária e Cultura do bairro do Butantã, na Rua Corifeu de Azevedo Marques, em São Paulo. Os 20% restantes, que pertencem à prefeitura, estão em fase de negociação pela Fundação Butantan, que apoia o instituto, e pelo município.

A entidade irá se empenhar para não trazer qualquer prejuízo à prefeitura e/ou comunidade, oferecendo, ainda, auxílio logístico e técnico a fim de que os profissionais de saúde e moradores do bairro atendidos no imóvel sejam realocados em condições semelhantes em outro endereço.

A área tem interesse estratégico e social para a função destinada a essa instituição centenária, que tem criado alternativas e oferecido soluções para que as atividades desempenhadas no local sejam mantidas.

Vale ressaltar que o Instituto Butantan atua regularmente em todas as esferas públicas em relação às aprovações prévias necessárias."