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Mara Gama

REPORTAGEM

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"Porto seco" ameaça área da Mata Atlântica na histórica Paranapiacaba

Centro de visitantes de Paranapiacaba (SP) - Prefeitura de Sto André
Centro de visitantes de Paranapiacaba (SP) Imagem: Prefeitura de Sto André

Colunista do UOL

07/12/2021 06h00

Uma das áreas remanescentes da Mata Atlântica próxima de São Paulo está em risco de desmatamento. No último domingo, 5, participantes do grupo SOS Paranapiacaba protestaram na av. Paulista contra o projeto de um centro logístico que prevê desmatar um terreno de 91 hectares do bioma, próximo à Vila de Paranapiacaba. Fundada em 1860 ao lado da estrada de ferro Santos-Jundiaí, a localidade se tornou uma vila operária, e hoje está dentro do Parque Estadual da Serra do Mar e da Reserva Biológica do Alto da Serra.

A Vila é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e pelo Conselho do Patrimônio de Santo André. A região é um dos poucos remanescentes do bioma dentro da região metropolitana de São Paulo.

Passa na área em risco a rota Caminho do Sal, trajeto de 53 quilômetros para caminhadas ou passeios de bicicleta que une áreas rurais e históricas entre São Bernardo, Santo André e Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo. Uma parte do percurso recupera a antiga rota de Zanzalá, aberta em 1640 para transporte de sal, daí o nome do caminho.

O plano é que o futuro Centro Logístico Campo Grande, chamado de porto seco, fique instalado em área de 4,7 milhões de metros quadrados, dos quais 20%, o equivalente a 90 campos de futebol, seriam desmatados. O investimento anunciado do projeto é de R$ 780 milhões.

O centro funcionaria como apoio para contêineres ao Porto de Santos, que recebe cerca de 25% das cargas do país. Além da perspectiva de poluição e riscos à biodiversidade, os moradores temem que os danos causados pela construção e posterior operação do empreendimento comprometam para sempre a possibilidade de exploração do turismo comunitário. Só o tráfego estimado no período de pleno uso é de 1.200 caminhões por dia na rodovia SP-122.

Casa Fox, em Paranapiacaba (SP) - Prefeitura de Sto André - Prefeitura de Sto André
Casa Fox, em Paranapiacaba (SP)
Imagem: Prefeitura de Sto André

Segundo os integrantes do SOS Paranapiacaba, a construção do porto seco vai impactar uma área de mananciais que possui mais de 80 nascentes que formam a represa Billings, com alteração da qualidade do ar, assoreamento de cursos de água e alteração na qualidade das águas superficiais, com prejuízo para a fauna e flora locais. De acordo com o movimento, a instalação do empreendimento no local fere a Lei de Uso e Ocupação do Solo e o Plano Diretor da Cidade de Santo André, da qual a vila faz parte.

A construção de uma infraestrutura de um centro logístico para apoiar a malha ferroviária vem mobilizando os moradores da região há pelo menos quatro anos. Em 2019, o movimento conseguiu o embargo da obra. Mas, no começo de 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu a decisão que suspendia a construção do empreendimento.

Na ocasião, o PSOL publicou nota contra a construção, apontando que o projeto desrespeita também a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e a lei Federal da Mata Atlântica e da Biodiversidade. Segundo a manifestação do partido naquela ocasião, o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA-Rima) está incompleto e tem falhas já apontadas em todas as audiências públicas realizadas.

No livro "Paranapiacaba: conflitos, saberes e perspectivas de desenvolvimento na Macrometrópole Paulista", os pesquisadores Pedro Roberto Jacobi, Silvia Helena Passarelli, Ruth Cristina Ferreira Ramos e Samia Nascimento Sulaiman escrevem: "As principais preocupações dos moradores diante do projeto do centro logístico que se apresenta são em relação aos impactos sobre o ambiente e sobre a atividade turística com a instalação de um empreendimento que possa desconfigurar exatamente a singularidade que a região apresenta e que move suas atividades culturais e econômicas."

A empresa Fazenda Campo Grande Empreendimento e Participações solicitou ao Ministério da Infraestrutura uma autorização para construir o Centro Logístico e explorar a área por 99 anos. Em setembro, o pedido foi publicado no Diário Oficial da União.

Hoje existem recursos no STJ e no STF para conseguir barrar a implantação. O processo de licenciamento ambiental está na Cetesb, que ainda não deu seu parecer.

Um abaixo-assinado contra o centro logístico aponta impacto negativo no sistema de águas do Estado, pois o empreendimento atinge o Parque Estadual da Serra do Mar, "que pode ser considerada uma máquina natural paulista de produção de água" e outros serviços ecossistêmicos como sequestro de carbono, redução de calor das cidades e prevenção de enchentes.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado, o terreno que deve ser desmatado é de 91 hectares, não 1 mil km2. A informação foi corrigida.