O consumo é peça chave para o colapso iminente da economia
Essa foi mais uma semana que deixei para escrever esse texto no dia em que ele deve ser entregue. Muitas ideias e muitos rascunhos estavam ali na pastinha de nome ecoa_uol, mas não conseguia terminar nenhum. Achei tudo meio repetitivo ou fora de lugar. Hoje de manhã, entendi que é porque todos os assuntos se misturam e se anulam por conta "do assunto" do momento: covid-19. Não me sinto à vontade para escrever sobre economia; por outro lado, leio muitas coisas sobre economia e mudanças que o mundo poderá sofrer (ou não) nos próximos meses. E conforme começo a escrever algo, é como se um balãozinho se abrisse ao lado da minha cabeça, me lembrando de todos os textos e informações e me dizendo: "Será?". Percebi que o tempo todo tentava encaixar pensamentos e frases que li esses dias. Fiquei querendo um pouco que tudo convergisse para:
"Se tudo para, tudo pode ser recolocado em questão, infletido, selecionado, triado, interrompido de vez, ou, pelo contrário, acelerado. Agora é que é a hora de fazer o balanço de fim de ano. À exigência do bom senso, 'retomemos a produção o mais rápido possível', temos que responder com um grito: 'De jeito nenhum!'. A última coisa a fazer seria voltar a fazer tudo o que fizemos antes."
E se tudo convergir para essa frase, eu mesma não posso continuar a fazer tudo como fazia antes. E pronto, que bom, era isso que me paralisava, descobri. E aí me sento aqui para escrever sobre consumo. Esse mesmo consumo que está agora posto em xeque e que é peça chave para o colapso iminente da economia. Quando comecei a escrever aqui em Ecoa, tinha uma recomendação de que tentasse sempre trazer os textos para a realidade prática da vida das pessoas. Quando essa realidade está meio que suspensa, fica difícil de localizar o assunto.
Também penso em algumas previsões e especulações que leio de que a crise que virá será tão grave quanto a da década de 30, que é justamente o começo dos assuntos que estudo. A obsolescência programada nasceu na crise de 29 nos EUA, para salvar a economia americana. Naquele momento, ela surgiu como uma solução. Comprar muito, significava ser patriota.
Misturo isso com uma teoria de criatividade que propõe que uma limitação pode ser o estopim de um grande impulso criativo. Fico pensando se é tudo assim cíclico e se estamos diante desse momento em que existe uma limitação enorme ao nosso redor, que muitas soluções criativas surgirão, levando a uma grande mudança. Se é a hora em que diremos "de jeito nenhum seguiremos como antes", como o texto que li. Que pensaremos que jeito de viver é esse, que colapsa em um mês sem consumo; que colapsa porque muita coisa vem da China, que parou e fez parar a indústria de boa parte do mundo; que escancara na nossa frente a desigualdade da nossa sociedade.
Vi uma sátira outro dia do humorista Marco Luque, que interpreta um motoboy. No vídeo ele diz algo como: "Quem diria que, outro dia, mesmo a maioria da população odiava a gente, achando que a gente não era nem humano com as buzininhas entre as pistas da marginal; e agora somos como heróis levando a comida para as pessoas".
Essa imagem junta com uma outra de um texto que li e começa com a descrição da cena de um motoboy na porta de um restaurante muito chique em Nova Iorque. O autor fala como fica evidente a diferença de classes, pois o preço da refeição que ele espera para levar, é muito superior ao valor que será pago pelo seu transporte.
E que me leva também ao Caco Ciocler, ator brasileiro que fez um vídeo maravilhoso que viralizou por aí. Ele fez uma conta rápida sobre o lucro das grandes empresas, deixando claro que o lucro é a parte que sobra depois dos custos todos pagos. Sem desmerecer empresários, ele deixa claro que o lucro vem de uma ideia genial ou de uma maneira de produção muito eficiente, realizada e consolidada em conjunto por muita gente e muitos funcionários. O vídeo pede para que empresários compartilhassem uma parte pequena de seu lucro (1%), para garantir a existência dos seus funcionários, que foram também responsáveis por ele. Os números que ele expõe são impressionantes e se soma com aqueles outro número de quantas pessoas tem o equivalente a metade da população brasileira?
Essa questão me leva a uma entrevista antiga com o sociólogo Domenico Di Masi. Ele conta que a Olivetti, marca de máquinas de escrever fundada em 1908, tinha uma cláusula em seu estatuto que dizia que a diferença entre o menor e o maior salário da empresa não poderia ultrapassar cinco vezes. No ano da entrevista (2013), essa diferença tinha subido para mais de 1.200 vezes. E que isso era um tiro no pé, porque o que acontece na realidade, é que com essa diferença você tira o poder de compra de 1.200 pessoas, além de estimular a desigualdade social.
Também misturo com algo que li de que as mudanças sempre ocorrem quando interessam a alguém. Fico pensando quem são os interessados por aí. E se será mesmo o momento em que diremos: "A última coisa a fazer seria voltar a fazer tudo o que fizemos antes".
Outro dia, uma amiga me respondeu ao 'tudo bem?' com um: "Tudo! Navegando nos mares desconhecidos do corona". Acho que estamos todos nesse mar de perguntas. Entre "quando isso vai acabar?" ou "isso vai acabar?". Naveguemos.
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