Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Sesc Paraty lança o primeiro museu digital de cestaria do Brasil
Nasce o Museu Digital Tramas Daqui. O projeto é uma consequência do processo colaborativo e educacional, iniciado em 2021, entre o Polo Sociocultural Sesc Paraty e três comunidades da região da Costa Verde (RJ): Comunidade Caiçara de São Gonçalo, Aldeia Itaxi Mirim e Quilombo do Campinho da Independência. Esta parceria busca fomentar e preservar o saber de quilombolas, caiçaras e indígenas na cestaria e modos de vida, aproximando os artistas do público nacional.
O espaço virtual será em caráter permanente e traz imagens de cestos, luminárias, peneiras e balaios feitos pelos artistas/artesãos das comunidades. Além disso, retrata imagens cotidianas que fazem parte da história dessas comunidades, como a agricultura e a pesca. A exposição física, com 34 peças, fica aberta ao público até dia 24 de julho de 2022, no Polo Sociocultural Sesc Paraty, na Rua Dona Geralda, 20, Centro Histórico Paraty (RJ), com entrada gratuita.
A analista de Patrimônio Cultural do Polo Cultural, Jaqueline Silva, diz que a concepção do museu está alinhada a uma tendência mundial das áreas de antropologia e de museologia. Ela explica que "museus já não são mais apenas espaços físicos onde objetos são depositados para serem comtemplados por sua raridade ou excepcionalidade. Com a experiência do museu digital, nosso intuito é ampliar a trama formada pela criação plástica e territórios, para evidenciar os processos criativos e facilitar o encontro entre criadores e pessoas interessadas em seus trabalhos".
Segundo a comunicação do Sesc Paraty, da Comunidade Caiçara de São Gonçalo vem o ensinamento sobre a colheita sustentável: não se deve retirar a matéria-prima do mesmo lugar com frequência. Nas cestarias (ajaka) Guarani, da Aldeia Itaxi Mirim, os desenhos feitos a partir das costuras da casca do imbé — espécie rara de cipó — representam caminhos e trilhas. As ilustrações simbolizam mar, rios, cobras e encruzilhadas - elementos que fizeram parte da jornada de quem criou a peça. Já no Quilombo do Campinho da Independência, o artesanato é modo de vida e sustento desde os tempos de Tia Marcelina, Vovó Tonica e Tia Maria Luzia, primeiras moradoras do lugar.
O ?Museu Digital Tramas Daqui? contempla trabalhos realizados por mulheres e homens que remetem a saberes ancestrais. São registros do conhecimento acumulado ao longo dos anos sobre materiais e técnicas, já que em seus emaranhados - as tramas - guardam as sutilezas presentes na relação respeitosa entre as pessoas, a terra e o tempo, justifica a comunicação.
Artesãos ou artistas?
Historicamente, as cestarias indígenas — e penso que quilombolas e de populações tradicionais também — foram assumidas como peças apenas funcionais. Nesse sentido, eram desenquadradas de espaços museológicos como peças artísticas. Quem lhes tecia era (e ainda é) chamado como artesão. Outra justificativa para mantê-los longe dos museus e espaços culturais como arte foi a de que em comunidades tradicionais não se pensava a arte tal como o conceito ocidental.
Roberto Suarez Rengifo (Yahua/Peru) argumenta que "a produção artística indígena, com seus objetos de poder, está incorporada à vida. Agora, na sociedade moderna, a arte indígena está segregada e muitas vezes inutilizada. A arte indígena está ligada ao uso expressivo da linguagem como um processo de comunicação que não pode existir sem um receptor". Toda obra de arte, diz, permite mais de uma leitura, e aqui radia sua riqueza, seu valor educativo e comunicativo.
Hoje entendemos que o uso exclusivo do nome "artesãos" para a função de criação de peças feitas por indígenas, quilombolas e caiçaras foi uma forma de exclusão. Embora o nome "artesão/artesã" ainda seja empregado para se referir aos produtores culturais, é possível perceber uma valorização da função e a extensão da categoria de artista para eles.
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