Sobre a explosão de uma estrela e o colapso iminente do mundo

Há sobre as nossas cabeças uma estrela prestes a explodir, um mundo inteiro a ponto de colapsar, de passar de tudo a nada, de imensidão misteriosa a caos desfeito. Há muitas estrelas prestes a explodir, decerto, mas dessa sabemos com precisão maior porque é das mais brilhantes do nosso céu, a supergigante mais próxima da Terra. Para vê-la é preciso observar o espaço com atenção verdadeira, procurar as Três Marias, deslocar sutilmente o olhar para a esquerda, buscar uma luz alaranjada, vívida. Quando tiver explodido e disso soubermos, encontrá-la vai ser mais simples: ela será uma segunda lua no céu, com metade de seu brilho por alguns meses.
De vez em quando me lembro disso, quando contemplo um céu estrelado como fiz há poucos dias, me lembro de quando aprendi sobre essa estrela de estranho nome Betelgeuse. Não foi em nenhum tratado astronômico, mas no romance de um amigo querido, Abilio Godoy, romance que permanece injustamente inédito. Nele, três amigos resolvem dar uma festa ao ar livre para flagrar a explosão da estrela, mesmo calculando improvável a coincidência absoluta entre a festa e esse fim de mundo tão específico. Valia a insensatez porque testemunhá-lo seria um acontecimento transcendente, um privilégio para os seres tão pequenos que eles eram, e que somos nós também.
O caso é que somos mesmo seres muito pequenos, muito transitórios. Nossas vidas são um átimo na escala descomunal do universo, e por isso só nos cabem estes súbitos lampejos, uma breve percepção das coisas, algum sentimento passageiro. Essa estrela tão próxima está a 640 anos-luz da Terra, de modo que a cintilação que vemos viaja até nós desde o fim daquilo que chamamos de Idade Média. Quantas vidas se passaram entre a emissão dessa luz e sua chegada aos nossos olhos, a vida de todas as gerações que conhecemos, de todos os antepassados que nomeamos, e muito além. Ante a nossa pequenez, é curioso que nos preocupe tanto o colapso de um mundo, alheio ou próprio, mas é bonito também.
Já tive em algum momento, por vício de ceticismo, uma quase certeza de que estamos sós no universo, de que não deve haver vida em outros planetas. Depois percebi a limitação desse pensamento, a presunção de que não haveria vida num espaço gigantesco, indevassável aos nossos olhos e aos nossos precários instrumentos, só porque dela não nos chegam notícias. O caso é que não somos apenas muito pequenos, mas também muito míopes, e completamente surdos ao firmamento.
Somos como formigas num apartamento, formigas que mal conseguem transpor a porta e chegar ao apartamento vizinho, formigas arrogantes que olhassem pela janela e dissessem: não deve haver formigas naquele prédio da frente, nem naqueles incontáveis outros prédios junto ao horizonte; se houvesse já teríamos sabido. Uma formiga não pode saber da existência de outras cidades, outros países, outros continentes, porque seu corpo é ínfimo demais, sua vida é por demais passageira. Assim somos nós também, é o que penso mais uma vez, mínimos e efêmeros, e no entanto é impressionante o que de fato alcançamos saber, e isso nos encanta, e isso nos assombra.
Há sobre as nossas cabeças uma estrela prestes a explodir, um mundo inteiro a ponto de colapsar, de passar de tudo a nada, como aprendi num romance. Mas agora fui pesquisar mais sobre Betelgeuse, para escrever esta crônica insensata, e descobri que seu fim já não se considera assim tão iminente - a oscilação de seu brilho tinha algo de ilusão óptica, ao que parece. Ganharam uma sobrevida os habitantes dos incógnitos planetas que orbitam Betelgeuse, se é que eles existem, e me pus a imaginar a grandiosa festa que fizeram. Eles, que estavam prestes a morrer, eles, que não viam o fim como risco longínquo, eles, que achavam que sua estrela explodiria e que todo seu mundo se dissolveria de vez numa ofuscação no céu.
E me pus a pensar se um dia poderemos celebrar assim também uma sobrevida nossa, uma permanência nossa por mais algumas décadas, séculos, milênios. Nós, que tanto temos temido nossa própria dissolução em nada, nós, que vislumbramos a explosão de nosso mundo, nós, que tão mal suportamos a ideia do nosso desaparecimento.



























