Julián Fuks

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Opinião

O persistente mistério do humor, vendo Chaves com novos olhos

Misteriosa coisa é o humor. Podemos rir profusamente de uma pequena estupidez, de um ato ridículo qualquer, e no entanto abrir um módico sorriso diante da ironia mais inteligente. Não há juízo nisso, não é uma declaração de preferência. A segunda, a frase sagaz que tudo ilumina, pode perdurar em nós por longo tempo, pode passar a compor nossa visão de mundo. Mas ninguém negará o valor daquela alegria primeira, explosiva e passageira, escandalosa e modesta.

Pensava um pouco nessas coisas, na insensatez do próprio humor que se funda na insensatez, enquanto acompanhava minhas filhas assistindo "Chaves" pela primeira vez. Era encantador ver tamanho encantamento. Era surpreendente ver tamanha surpresa. Por anos, na minha própria infância, me acostumei a acompanhar esse mesmo velho programa com um semblante quase sério, quase tomado pelo tédio, ainda que tudo fosse sempre simpático. Agora o que eu testemunhava era muito diferente. Elas absorviam aquilo de olhos arregalados, ávidas pela próxima cena, e gargalhavam a cada novo absurdo, a cada nova bobagem, a cada nova ação desastrada, por mais previsível que se tornasse, ou justamente porque a previam e tinham seu desejo satisfeito.

Pareceu-me que havia algo de essencial no humor de Roberto Gómez Bolaños, como havia algo de essencial no humor de Charlie Chaplin, que foi sua inspiração direta — sim, confesso que fui assistir a "Chespirito" para entender o fenômeno com mais propriedade. É na piada simples e reiterada, de alta expressão corpórea, que ele alcança o seu efeito, que ele produz esse riso irrefletido que pode tomar adultos e crianças, melancólicos e galhofeiros. Há nesse humor tão elementar, feito de gestos exagerados e bordões insistentes, um incompreensível magnetismo. Lembrei que às vezes meus pais também se sentavam ao meu lado enquanto eu assistia, como eu me sento agora ao lado das minhas filhas. O que faz com que esse riso atravesse décadas e contagie gerações não é algo que de fato se explique.

Fui ouvir de novo as definições de humor oferecidas por Ricardo Araújo Pereira para tentar entender o que tinha diante dos meus olhos. O caso é que "o humor e o riso estão orgulhosamente do lado do que é reles", ele diz. Há mais humor no profano que no sagrado, ele explica, no caos que na ordem, no abjeto que no sublime, no feio que no belo, no obsceno que no casto. "Ao passo que a postura séria se caracteriza pela busca do sentido, o humor e o riso exprimem um certo comprazimento com o absurdo". E por isso fracassam as tentativas de explicar o humor, é fácil concluir, e por isso talvez nos valha apenas aproveitar os seus efeitos e agradecer que ele exista.

Mas eu não sou assim tão versado em humor, e vem daí minha dificuldade em desistir do sentido. É certo que há na vila do Chaves algo de reles, que ali o caos impera e tudo tende ao feio. Titubeei enquanto mostrava aquele mundo às minhas filhas: havia ali uma profusão de estereótipos, de figuras caricatas cuja interação era marcada por uma fartura de violências. Mas o horror era efêmero, carecia de peso, era vencido pelo riso. E aos poucos eu percebia, como elas percebiam, que ninguém naquela vila é personagem rasteiro, que todos em algum momento oscilam da brutalidade à delicadeza, da intolerância à ternura. Seu Madruga, Dona Florinda, Seu Barriga, todos alguma vez abandonam a rispidez que os caracteriza e se comovem com as crianças, e se tornam generosos e brandos até que a próxima pancada os enrijeça.

Daí também a oscilação de emoções de quem assiste, transitando com alguma fluidez entre o riso e a comoção, aprendendo a desgraça costumeira da vida, que pede mais deboche do que reprimenda. Aprender aqui é a palavra certa, embora os teóricos do humor a rejeitem: parece evidente que, como o romance tem feito por séculos, o humor também proporciona uma pedagogia dos afetos, nos ensinando a alegria e a tristeza, o amor e o desamor, a mesquinhez e a largueza. Ensina sobretudo o próprio exercício do humor, e do bom humor, um olhar para o mundo menos atento às suas agruras, mais afeito aos seus desatinos, seus disparates, sua invulgar incoerência.

E então pude ver, nos dias seguintes, como esse humor tomava as palavras e as ações das minhas filhas de diversas maneiras. Como Penélope, de cinco anos, desde sempre tendente à provocação jocosa, agora adiava sua hora de ir para a cama emulando Chaves, afirmando que nunca teria intenção de adiar sua ida para a cama, que não tem em si mesma essa disposição, que gosta de fazer as coisas na primeira vez que lhe pedem, que não vê sentido em ir dormir tarde porque não quer acordar cansada, que nunca nunca teria uma postura dessas, e tantas outras frases que no fim cumprem sua vontade de adiamento com o mais humorístico dos efeitos. E então o drama que já chegou a ser convencê-la a dormir se fez em nossa casa comédia, para alívio e prazer dos que antes o enfrentavam com algum desespero.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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