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Júlia Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao povo do Serro: para que serve isso que chamam de progresso?

A cidade de Serro, em Minas Gerais - Getty Images/iStockphoto
A cidade de Serro, em Minas Gerais Imagem: Getty Images/iStockphoto

24/03/2021 10h27

No interior de Minas Gerais nada é tão tranquilo quanto parece. As montanhas e o silêncio ressequido do cerrado escondem debaixo da terra minério de ferro, água e o jogo de interesses políticos e econômicos que revira do avesso a vida das pessoas.

Mineradoras, agentes públicos e o povo pobre daqui travam batalhas nem sempre silenciosas. De um lado, os que querem seguir existindo, habitando seu território em paz, produzindo ali sua subsistência e reproduzindo seu modo de viver no mundo. Do outro, a força dos donos do dinheiro que passam arrancando a mata, revirando o solo e descartando como lixo a natureza que os atrapalha de alcançar o que desejam.

Há dois dias, vi um homem na televisão a falar de uma cidade mineira. Morador de um quilombo, o jovem negro dizia que seu povo estava disposto a resistir às investidas predatórias da mineração que queria abrir buracos e revirar a terra daquele lugarejo onde ele e seu povo resistiam.

Ele se referia ao Serro, uma cidade pequenina com pouco mais de 20 mil habitantes localizada no Alto Vale Jequitinhonha, a 330 quilômetros de Belo Horizonte. A cidade é hoje palco de uma disputa entre o poder do dinheiro e o poder popular.

Um amigo já falecido de meu pai, um homem que tinha uns 70 anos quando eu ainda era criança, certa vez, não me lembro em que circunstâncias, me disse uma frase que reverberaria em mim por muitos e longos anos: "Menina, onde o ouro fala, tudo cala." Eu guardei o dito e depois acrescentei a ele algumas frases um pouco mais esperançosas sobre luta e organização popular.

O moço da TV falava de resistência e luta. A luta que impede que o ouro fale mais alto que a vontade popular. Pela tela, olhei bem no fundo daqueles olhos cansados de brigar pelo direito de existir e me coloquei a pensar no que fazem de nós os donos do poder.

A mineração que chega prometendo riqueza, emprego, progresso não está preocupada com a contaminação das águas, com a ruptura do seu delicado ciclo, com as riquezas imateriais daquela gente, com o apego ancestral que desenvolveram pela terra, com suas hortas, com o pasto das criações, com os rios, com o lençol freático, com o impacto sobre o clima, com a saúde mental das pessoas, com o acervo histórico representado pelas construções, os casarões, a Igreja.

Os donos do dinheiro só querem invadir, cavar, mastigar a terra, cuspir o bagaço e levar com eles o minério que transformam em mais dinheiro.

Prometem empregos? A natureza de pé e a cidade inteira geram muito mais com o turismo. Prometem riqueza? Nada ficará para aquelas pessoas mais prejudicadas. O que restará em alguns anos é a terra arrasada feito o que restou em Mariana e Brumadinho. Feito o que estão fazendo com a Serra do Curral nos arredores de Belo Horizonte.

Não há nada que a mineração traga de bom e que fique em Minas, para os mineiros.

Em Minas, contemplamos uma montanha com saudade antecipada, sem saber se em alguns meses ela terá se transformado em um buraco ou, como disse o poeta, em uma foto na parede.

Torci pelo Serro. Sonhei com aquelas pessoas. Pedi para que sigam resistindo. Desejei estar com eles. Na verdade, todas as lutas são uma única luta e estamos todos juntos brigando para seguir vivendo. Viva o povo brasileiro! Resiste, Serro!