Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Um lockdown à brasileira
A receita é simples. Em uma panela coloque um governo central que lava solenemente suas mãos e não institui sequer uma medida razoável para o enfrentamento deste caos sanitário. Ao contrário, faz uma força monumental para atrapalhar quem se organiza para resistir.
Isto é o que diz o boletim Direitos na Pandemia publicado em janeiro deste ano e que avaliou a linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. A intenção de espalhar o vírus e expor as pessoas fica explícita.
Governadores e prefeitos, acuados pelos índices de ocupação dos leitos de UTI e pelo número de mortes que sobe vertiginosamente, fazem o que podem fazer. Restringem horários de circulação, fecham comércio, obrigam uso de máscara e multam quem promove aglomeração.
A questão é como a negligência, a imperícia e a irresponsabilidade presidencial se refletem no cotidiano.
Lockdown, estadual ou municipal, não protege os trabalhadores mais pobres e mais vulneráveis. Sem indenizá-los para que possam realmente ficar em casa e proteger a saúde de seus familiares, o simples fechamento do comércio ameniza, mas não resolve o grave problema de super transmissão do vírus.
Quem consegue manter trabalho remoto segue seguro em casa. Ainda bem. Quem só pode trabalhar presencialmente, justamente os mais pobres, seguem superlotando o transporte público com máscaras inadequadas ou sem elas.
Sem vínculos trabalhistas, dependendo do salário do dia para sobreviver e sem direito a afastamento por motivo de saúde, sintomáticos respiratórios se espremem nas estações e nos vagões com outros trabalhadores em busca do alimento do dia.
Não que fechar comércio seja completamente ineficiente. É uma medida que reduz contatos, sim, mas é muito pouco perto do que o país precisa.
Só uma ação centralizada que certamente não virá de Bolsonaro poderia nos levar a um arrefecimento desses números.
O mais triste é a deseducação das pessoas promovidas pela inconsequência do presidente. Enquanto o meio científico discute sobre máscaras mais eficientes, ele desfila sem máscara, provavelmente por que já se vacinou antes de decretar o sigilo do seu cartão de vacina por cem anos, deseducando seus seguidores e incentivando que se exponham. Um péssimo exemplo que ressoa no desejo de todos por uma vida mais próxima do normal. Afinal, quem não quer andar sem o imenso incômodo da máscara por aí?
Que não caiamos no discurso fácil e desconectado da realidade de dizer que não somos educados ou que o Brasil tem um povo irresponsável ou que estas atitudes são parte da nossa cultura.
Cultura não é imutável. Modos de agir se transformam com exemplos, educação e multa.
O lockdown à brasileira é um remendo. Estamos tentando frear um tsunami com a palma das nossas mãos.
Uma piada para o mundo. Uma piada sem graça e só quem ri é Bolsonaro.
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