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Fred Di Giacomo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Da Favela da Torre, ele foi pra Europa e criou curso de inglês pra quebrada

O escritor e empreendedor Alexandre Ribeiro na Favela da Torre, em Diadema - Lucas Sampaio/Divulgação
O escritor e empreendedor Alexandre Ribeiro na Favela da Torre, em Diadema Imagem: Lucas Sampaio/Divulgação

16/08/2022 06h00

"Eu me assusto em saber que o Alexandre Ribeiro é tão jovem e parece ter vivido tantas vidas", me diz uma amiga ao conhecer pessoalmente o "Alezinho" (como é conhecido pelo rapper Emicida e pela galera do hip-hop) ou o "Miguel", como prefere Dona Silvia e sua família, em Diadema.

Polímata da quebrada, Alexandre Miguel Ribeiro Barros tem só 24 anos, e já é escritor (autor da dupla de livros livros ganhadores do Proac "Reservado" e "Da quebrada pro mundo"), jornalista (fez o curso da Énois e foi colunista aqui de Ecoae do site do Itaú Cultural) e empreendedor. Sim, empreendedor já que acaba de lançar uma escola de inglês online voltada para moradores das periferias do Brasil, a Da Quebrada Para o Mundo. Além de tudo isso, Alexandre faz faculdade no Bard College Berlin e ataca de rapper nas horas vagas.

Mas como diabos, Alexandre foi parar na Alemanha? Primeiro ele ganhou uma bolsa para fazer trabalho voluntário no país germânico de cerca de 7,5k euros. Depois, conseguiu uma bolsa de 26 mil euros anuais para estudar no Bard College Berlin


Não sou neutro para falar do Alê. Dei aulas de jornalismo para ele, na Énois, quando o moleque tinha apenas 17 anos e estarei com ele nesta terça (16), às 19h, no Sesc 24 de Maio, fazendo o lançamento do seu novo romance. Foi adiantando um pouco nosso encontro no Sesc, que conversei com Alexandre sobre afrofuturismo, a importância do inglês para a juventude periférica e sobre sua vida, tanto na Favela da Torre, quanto na Alemanha. Os melhores momentos do nosso papo, você acompanha a seguir:

Ecoa -- "Da quebrada pro mundo" é o título do seu novo romance, mas também da sua coluna (que ficou no ar até janeiro de 2022 em Ecoa), na qual você contava suas experiências como favelado morando na Alemanha. Quão autobiográfico é o seu romance?

Alexandre Ribeiro - A minha obra pode ser considerada um desafio do equilíbrio da autoficção. Eu penso nela como uma fuga porque é um desafio para um jovem negro favelado se encontrar na literatura canônica, essa de epopeias, de aventuras lúdicas. Eu mesmo tive muita dificuldade de me manter nesse mundo da ficção enquanto escrevia sobre sonhos na praça da minha quebrada e, do nada, fui interrompido por uma pistola de um policial militar. Para nós, escritores negros contemporâneos, é uma mistura de desafio e fuga: escrever para ressignificar a realidade e ao mesmo querer fugir dela, porque ela machuca.

"Da quebrada pro mundo" também é o nome do curso de inglês que você inventou, né?

"Da Quebrada Pro Mundo", para além do meu trabalho literário se tornou uma empresa de impacto social. Nós somos uma escola de inglês digital que visa formar uma quebrada internacional através de aulas feitas "de noiz pra noiz". Nós trabalhamos com professores pretos e de quebrada, com referências nossas e, acima de tudo, somos uma empresa que usa da tecnologia para combater a desigualdade.

O inglês foi muito importante na sua vida, né?

Desde o momento que limpava privada no hotel, que fui menor aprendiz e ouvi gringos falando inglês no corredor, eu senti que aquilo era pra mim. Não sei explicar muito bem a importância, eu não consigo nomear essas paixões inexplicáveis que tenho pela palavra e pela comunicação.

Mas a poesia concreta foi a seguinte: depois que isso aconteceu, de ouvir os gringos no corredor, eu comecei a estudar e não parei mais. Quer dizer, parei quando não tive dinheiro para pagar a escola de inglês, e voltei no dia que conheci minha companheira de vida, Jessica Kuettner. Se eu posso dar uma importância para o inglês é essa: ele foi a ferramenta que traduziu meus idiomas do amor.

Além do inglês, o que um jovem de quebrada precisa se quiser morar fora?

Muita coragem, lábia de vendedor e uma rede de apoio. Eu fui parar na Alemanha primeiro porque me apaixonei pela minha companheira moçambicana-alemã . Segundo porque soube vender bem a minha história nos formulários de inscrição de bolsa. E em terceiro, o que foi muito importante foi que pude contar com uma uma rede de apoio. A bolsa que eu ganhei era de 80% e conseguimos custear o resto através de uma vaquinha online.

A gente vai ter que estudar esses sistemas de oportunidades, vamos ter que escrever com a mente de quem vende encanto para um jurado. Existem diversas bolsas de estudo e oportunidades das mais diversas que vão exigir de nossos jovens entendimento do sistema de recrutamento e da burocracia, mas, acima de tudo, entendimento do quanto nossa história é valiosa. Cabe a você se encantar e encantar os outros com ela.

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O escritor Alexandre Ribeiro em sua laje na Favela da Torre, em Diadema
Imagem: Lucas Sampaio/Divulgação

O que seria uma quebrada internacional que você cita no livro?

Uma quebrada internacional é a interseccionalidade em prática: as opressões do mundo capitalista não respeitam CEP, nacionalidade ou geografia. Elas criam pobreza, gambiarra e muitas camadas de complexidade tanto na Favela da Torre, quanto nas Townships da África do Sul e nos Brennpunkte da Alemanha.

Quem assina o prefácio do seu romance é o Emicida. Qual sua relação com ele?

A nossa relação é de aprendizado. Eu fui assistente de produção na Laboratório Fantasma, a empresa do Emicida, durante um ano e meio. Nesse tempo desenvolvi um hábito constante de manter conversas profundas com o rapper. E ali eu aprendi e muito. Depois de anos, tive a honra de que ele assinasse o prefácio do meu livro e essa relação continua, eu aprendo muito com ele, me inspiro muito na trajetória empreendora dele. Ele aprende com nossos ancestrais e partilha, e eu, jovem nerd que sou, aprendo com ele e suas diversas fontes.

Pra encerrar, é verdade que deu pra fazer uma moeda boa como entregador na gringa?

Deu não só pra fazer uma moeda mas deu para descobrir o meu amor pela cidade de Berlim. Eu ganhei em torno de R$12.000,00 para ser entregador nas ruas frias de Berlim, mas o que ficou comigo não foi o dinheiro, porque já gastei tudo (risos).

Brincadeiras a parte, o que colhi dessa experiência foi que a vida de um entregador de aplicativo não é nada fácil, de que o Brasil precisa aprender muito no setor da "gig economy", já que a legislação alemã me deu férias e "assinou minha carteia" e de que a cidade de Berlim é incrivelmente linda. Sobre essas e outras mais histórias que fogem da dura realidade e do cânone, fique antenado nos meus próximos lançamentos literários!

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Alexandre Ribeiro é o autor dos livros "Da quebrada pro mundo" e "Reservado" ele foi criado na Favela da Torre em Diadema
Imagem: Lucas Sampaio/Divulgação

Se liga!

O quê?

Lançamento do livro "Da quebrada pro mundo" (Ed. Miudezas) com bate-papo com o autor Alexandre Ribeiro

Onde
Sesc 24 de Maio, R. 24 de Maio, 109

Quando
Nesta terça-feira (16) às 19h

Quanto

Grátis