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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na chegada do fim do mundo, como preservar belezas já destruídas?

Uma mulher do povo Munduruku limpa peixes que acabou de pescar - Fábio Nascimento
Uma mulher do povo Munduruku limpa peixes que acabou de pescar Imagem: Fábio Nascimento

Colunista do UOL

10/08/2022 06h00

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Na frente da varanda tinha uma vasta extensão de árvores, pés de boldo, maracujá e bananeira. O visu era lindo, pode confiar no que te digo. Eu mesmo peguei com a mão o fruto que estava ali, sendo construído dentro da esfera coletiva que é viver numa favela, e não só: da riqueza possível que é plantar e colher com as mãos aquilo que chega na mesa, dividido no prato.

O verde do espaço hoje é tomado por uma cadeia de prédios, mas não que a favela desconheça o valor da natureza, bem como o seu cuidado. Chegamos onde estamos pela problemática da falta de moradia, fazendo ocuparmos lugares indevidos que mais seriam de continuidade de nossa existência, e não o contrário que se tem, sendo esse o ambiente chão-base para o cimento ou o asfalto.

A representação da memória é só mais um rejunte das belezas destruídas, tal qual cantam Djavan e Milton Nascimento numa música lançada recentemente sobre o desmatar sem medida, cada vez mais rápido nas ações e forte. Não é só dizer, como indica a canção; e sim ver. Dentro desse jogo de lembrar o rio que se via passar, a flor plantada, o tucano que viu emoldurar a tela viva aos olhos, o socorro de povos indígenas e bichos pela vida, o emudecimento da rotina, num cinza. E daí um entristecer sem fim.

Em uma troca não tão justa, uma equação difícil, sendo ela, sobre nossa existência. Na urgência, pensar em soluções que freiem, mas que não conseguem congelar os avanços de destruições que vimos acontecer. Enquanto ousamos pensar em reflexões, derretemos.

??É possível que estejamos testemunhando o ponto de partida do nosso fim, como civilização ou como espécie, e parece essencial que saibamos encará-lo??, nos traz o chamamento do colega em Ecoa, Julián Fuks. O comentário vem a reboque da publicação de um artigo no jornal britânico The Guardian, indicando risco de um colapso societal e de uma extinção em massa, "dizendo haver amplas razões para suspeitar que o aquecimento global possa resultar num tipo de apocalipse".

No final de julho, o Dia da Sobrecarga da Terra, criado pela ONG Footprint Network (com uma base de 3 milhões de dados estatísticos em 200 países), marcou o dia em que a Terra teria utilizado todos os recursos produzidos por ela mesma. Na conta que fizeram, até 31 de dezembro, devemos consumir 1,7 planeta.

Em seu espaço no site Colabora, Agostinho Vieira foi direto e reto: ??a Terra entrou em cheque especial??. Ao ler isso, Djavan e Bituca ecoam na cabeça com os versos ??Pra quem hoje o futuro não conta/ logo vai ter conta pra pagar/ pra viver??.

Desde quando ouvi Beatriz Mattiuzzo, cofundadora do Projeto Marulho, em evento recente (trouxe na coluna em Ecoa), tenho me colocado a pensar no que posso fazer no individual, sem muitas pretensões grandiosas, já que essas possivelmente não conseguirei só - nem nós, tão rápido. O prioritário, por agora, é tentar salvar as belezas destruídas ou ao menos não destruir.