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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O amanhã agora começa

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Imagem: iStock

02/03/2022 06h00

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"Teve pandemia, está tendo guerra na Ucrânia, eu mereço um bloco". Não, essa frase não saiu de uma esquete do Porta dos Fundos. Foi verbalizada por um estudante entrevistado por O Globo, no último sábado, enquanto aproveitava os festejos de um carnaval que não é carnaval. Mas que teve. E muito.

Desde o anúncio do cancelamento dos blocos de rua em diversas capitais do país, estabeleceu-se em todos os cantos possíveis e imagináveis a discussão do público X privado, e por isso, a penalização a um determinado grupo social, em sua maioria pobres. ''Não entendo essa hipocrisia de poder festa [privada] e isso aqui ser errado'', disse o mesmo entrevistado ao jornal, corroborando seu lado na polarização.

Para Luiz Antônio Simas, em entrevista para Pública, a ação reforça a desigualdade. ''Se você tiver dinheiro para pagar, vai entrar em algum megaevento, um grande show ou alguma coisa nesse sentido com artistas e blocos. Ótimo, é legítimo (...) Nós vamos ter carnaval em certo sentido, só não vai ter a festa pública'', comenta o autor.

Simas é um admirador e valida em sua obra que a rua, onde acontece a maior parte da festa, é o grande e maior símbolo do país, como lugar de encontro, troca e movimentação. E que, sem isso, fica descaracterizada a dinâmica de possibilidades. "Você, na encruzilhada, não está numa linha reta, está num espaço em que tem uma saída para cá, uma saída para lá, uma para frente. O espaço da produção da cultura é um espaço da encruzilhada''.

O que pegou todo mundo foi o adiamento, para abril, dos desfiles na Marquês de Sapucaí (Rio) e Anhembi (São Paulo). No Roda Viva desta última segunda, o carnavalesco da Mangueira Leandro Vieira falou sobre a pecha de que o carnaval das escolas de samba seja o da "elite". "Esse discurso é desconhecimento. Taxar o Carnaval da Sapucaí como elitista é burrice. É desconhecer toda a produção e envolvimento comunitário que existe".

Para quem como eu ama verdadeiramente o período, pode-se dizer que foi no mínimo esquisito tentar viver algum rés de alegria. Quem entende o que digo viu que a pista estava "salgadíssima", e justamente pela falta de ocupação dos espaços pelas pessoas que o movimentam. Sentiu quem deveria sentir, não percebeu quem não deveria perceber. É sobre isso, e tá e não tá tudo bem.

O que importa é que chegamos a dois de março, a uma semana da pandemia, parte dois. O amanhã agora começa. Viveu quem tinha por viver a ilusão de uma retomada, espalhando a purpurina que gruda e não sai, brilhando o ano inteiro. É hora de guardar a fantasia "de rei ou de pirata ou jardineira''. Estamos todos juntos a partir de agora na quarta-feira que inicia, de fato, um 2022 que marcará o país. E em que precisamos tomar a rua, esse espaço tão importante, mas com cautela e discernimento. "Vamos pra frente que pra trás não dá mais".