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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

É fácil destruir o Brasil, díficil é reconstruir

14/07/2021 06h00

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Quando escutei do jornalista Aydano André Motta, na semana do segundo turno das eleições de 2018, que para ele levaria tempo para o Brasil voltar ao rumo certo (em relação ao que estava prestes a acontecer no país), o jovem de apenas vinte anos - vulgo eu - desdenhou internamente do que ouvira. Não que estivesse deslegitimando a fala de alguém que, com 54 anos, já tinha rodado muito pelo país e o Rio de Janeiro. Tinha eu apenas esperanças que, mesmo com possíveis retrocessos, poderíamos conter quais fossem os arroubos.

Fui crescendo durante um período de avanços não totais, mas que fizeram boa parte da população acreditar que o tal progresso da bandeira estava se fazendo a cada dia, sob gerência firme de presidentes que, embora com críticas, nos levavam a crer que nada, nem ninguém, pudesse ruir o bem maior construído após os anos de chumbo enfrentados a solavancos. A personificação da felicidade de viver em um período ''livre'' e democrático era Natália, minha irmã mais velha e nascida um mês depois do fim da ditadura militar. ''Como eu vibrei, meu filho'', comenta dona Lúcia, minha mãe.

A democracia, ainda que em recente restauração, estava plena (ou tentando). Até que o barco virou e o que vimos já é história. De janeiro de 2019 pra cá, não há um dia em que essa grande pedra fundamental do direito não seja quebrada. Não há mais espaço e o ar está pesado. "Não há dúvidas de que cruzamos a linha democrática. Em uma democracia você não governa apenas para os seus, não cala seus críticos, não ameaça a saúde e bem-estar de sua população, isso é inaceitável. Vivemos um dos momentos mais tristes da nossa história", pontua Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé e co-fundadora do Movimento Agora, em entrevista ao Valor Econômico, em 2020.

Sob uma terra arrasada, vemos descasos antes e durante a maior crise sanitária do século. A população começa a sentir e há algum tempo já esboça seu descontentamento com o atual líder e seus asseclas. Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, a reprovação ao governo Jair Bolsonaro é de 51%, taxa mais alta registrada pela entidade desde a sua posse.

Também foi aferido que dois em cada três brasileiros (66%) classificam Bolsonaro como autoritário, índice similar ao registrado em junho de 2020 (64%) e superior a abril de 2019 (57%). A resposta do atual mandatário é única: desacreditar todas as análises, mobilizar suas tropas (militares e policiais) e em tom de ameaça, levantar suspeitas em relação ao pleito eleitoral que ocorrerá no ano que vem.

''Temos que matar no berço todas as iniciativas golpistas de Bolsonaro. Não tem mais qualquer possibilidade da gente discutir se o presidente da república é ou não golpista. O que podemos discutir são as chances disso dar certo, a melhor maneira de lidar. Que ele planeja, está claro '', sinaliza o sociólogo Celso Rocha de Barros em entrevista ao podcast O Assunto. Para ele, caso haja um processo maior de ruptura, o presidente ficará isolado no campo internacional.

Para Pedro Abramovay, mestre em direito constitucional e diretor da Open Society Foundations para América Latina e Caribe, os avanços diários que fazem ter ruir o ambiente cívico não podem ser normalizados. "Ele [Bolsonaro] vai cada vez mais avançando em pontos, e a gente vai achando que é normal o presidente da república atacar Congresso, desacreditar o processo eleitoral, as Forças Armadas voltarem participar da política como estão participando. Forças Armadas em um país com instituições sólidas não apitam na política''.

Ainda para Pedro, o cenário desencadeado por Jair Messias pode ter reflexos por muitos anos. ''A existência de uma agenda antidemocrática no Brasil pode ser muito duradoura, e nós precisamos atacar isso''. Só posso lembrar do que Aydano me dizia em 2018.

"Livrar-se dos ditadores não é o fim. É o começo", disse Sheri Berman, professora de ciências políticas do Barnard College, da Universidade de Columbia, em entrevista à Associated Press. Que o trabalho comece. Logo.