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Eduardo Carvalho

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Qual é o dever do jornalismo?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

16/06/2021 06h00

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Jornalistas e repórteres têm, diariamente, a palavra ou ao menos todas elas como parceiras no ofício: informar os fatos, reportando os acontecimentos de maneira precisa, verdadeira e ágil. Assim nos foi passado durante a preparação na cadeira dentro da sala da faculdade e continua na que está em uma redação (agora realizada dentro de nossas próprias casas).

Mas em determinados momentos, acabamos por reproduzir parte do preconceito presente na sociedade. Pudera, já que fazemos parte dela. Só que isso não pode ser álibi.

Volto algumas casas atrás, remontando o cenário atual. Há alguns anos, meios de comunicação mundo afora - e também aqui - viram com temor o advento da internet e por sua vez, a criação das redes sociais. A detenção de poder em relação à mensagem passaria não mais ficar restrita ao emissor, sendo agora introduzida a dinâmica da comunicação em redes.

De lá pra cá, o que se viu é histórico. Com celular na mão e conexão, múltiplas vozes atingiram visibilidade, redesenhando a produção de conteúdo e inovando nas formas de comunicar-se. Pautados pela representatividade e contando o que viam diretamente, uma sensação de pertencimento foi possível. Quem fala tem lugar, e não só. Fala porque precisa, que se faça ouvir.

Pelo país, diversos coletivos de comunicação saltaram aos olhos. Em sua maioria, negros, negras, periféricos e LGBTQIA+ tinham a oportunidade de comandar, à sua maneira, a construção de acontecimentos em textos, peças em vídeos e fotos. Muitos criados de maneira colaborativa, a partir de financiamento aberto, não teriam conselhos a quem submeter, tampouco receio sobre como determinar o que era importante.

Retomo o eixo aberto nos primeiros parágrafos. Frente à produção que se diferencia dos veículos com maior aderência e conhecimento público, novos olhares foram introduzidos nos jornalismos que pulsam pelo território brasileiro. Quem me traz a palavra ''jornalismos'' é a comunicadora Daiene Mendes, cria da favela do Alemão, Rio de Janeiro, em entrevista que concedeu ao canal Midiosfera.

De um lado, grandes meios de comunicação com suas fortes estruturas e do outro, veículos territoriais com conhecimento de causa, na busca por noticiar. O primeiro, com a tentativa da continuidade de apreender e captar o que se apresentava, resistindo, em meio a crises que impactaram suas edições impressas. O outro, viralizando com likes, compartilhamentos e retweets.

É óbvio que os dois caminham juntos, um se apreendeu com o outro. Mas ao primeiro está estabelecida uma obrigação e capacidade maior de reconhecer o fato como deve ser, visto que o segundo já o estará fazendo porque faz parte de seu DNA. Usarei apenas aqui a palavra ''narrativa'', tão gasta, para expor a grande cisão entre as duas frentes.

Ao jornalismo das grandes, não mais é aceito que se erre ou perpetue frentes que endossem o genocídio ao povo negro vigente no país, à violência e o preconceito de gênero, a desigualdade latente e o desmonte das políticas públicas. E como 'reparar' isso? Através da palavra, que também pode ser sinônimo de 'linguagem'.

Uma operação que mata mais de 28 pessoas, num território já criminalizado, não é simplesmente 'operação', é chacina. Não é o jovem negro que acusa o casal branco de racismo, e sim o jovem negro vítima de racismo. Os culpados? O casal branco. A "Grávida morre após ser baleada durante troca de tiros em comunidade no RJ" não é objeto causal simples. Teve incursão, logo, pessoas poderiam ser feridas ou até morrer, como foi o caso de Kathlen. Um criminoso, envolto de diversos policiais, tentaria mesmo pegar a arma de um deles e atirar? Essa será a desculpa que publicaremos como resposta à sua morte pela Polícia?

Existe fome no Brasil, o presidente é negacionista e mente. O país não está bem, não é o mercado que pauta o quê importa. Precisamos dizer o que tem de ser dito. Do contrário, é armazém de secos e molhados, como diria Millôr Fernandes. Vamos?