Topo

Eduardo Carvalho

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Com livro sobre consumo, Giovanna Nader acredita em chegada de nova era

Giovanna Nader com visual de boicote ao plástico no Baile da Vogue - Carolina Farias/Folhapress
Giovanna Nader com visual de boicote ao plástico no Baile da Vogue Imagem: Carolina Farias/Folhapress

09/06/2021 06h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Inquieta. Esse é o adjetivo que pode sintetizar não só Giovanna Nader, mas também o ofício que escolheu para sua vida: a comunicação. Filha da moda, Giovanna descobriu há certo tempo que sua missão é impactar o outro mostrando caminhos possíveis e nada utópicos para viver bem, sem extravagância (mas com elegância).

E não há nada mais ''hypado'' ou ''in'' do que estar atento aquilo que é urgente: o meio ambiente, a cadeia de produção da indústria responsável por 10% dos gases de efeito estufa, o dia a dia dos que fazem a roda girar sem estar na passarela e o que isso vai dar num futuro não tão distante. No tempo espaço do agora, como anda seu consumo? O que você pode fazer por você e pelo outro? E o amanhã?

Ajudando a desenrolar estes e tantos fios, ela lança seu primeiro livro "COM QUE ROUPA?" (Cia das Letras, R$ 64,90), convidando o leitor a participar de uma jornada para reinventar sua relação com tudo aquilo que utiliza. A publicação dá subsídios para dicas de estilo, autoconhecimento, técnicas de como aproveitar melhor o seu guarda-roupa e orientações para o ''menos'' e melhor. "Moda sustentável são duas palavras contraditórias, né? Enquanto moda significa novidade, frescor, o que vem por aí, sustentabilidade significa o que perdura, o que vem pra ficar. Um grande desafio que temos é justamente frear a produção e consumo em um mercado tão vibrante e ávido por novidades", alerta Nader, fundadora do projeto de moda sustentável Gaveta, onde as pessoas trocam, entre si, roupas que não usam mais.

Pós-graduada em Branding pela Universitat Pompeu Fabra, de Barcelona, e cada vez mais de olho no que acontece, em meio a pandemia do coronavírus, não perde a esperança. "Para a criação de uma moda sustentável, o céu é o limite. Entender como questionar a moda nos dá base para aprendermos a discutir tudo ao nosso redor: o que comemos, o que usamos, como vivemos, como descartamos. A moda pode ser apenas o primeiro passo por ser um assunto mais cotidiano e presente na vida de muitas pessoas. Foi assim comigo, espero que seja assim com o leitor".

Na semana do Dia Mundial do Meio Ambiente, a coluna traz um papo interessante com a consultora e ativista.

Ecoa - O nome do livro é ''Com que roupa?'', onde você não só convida a repensar como vestir-se, mais de maneira mais ampla, como consumir. Foi um processo individual fácil chegar nesse estágio? Todo mundo pode?

Giovanna Nader - Minha grande virada de consciência aconteceu com a moda. Primeiro entendi como a cadeia da moda era extremamente poluente e desigual e a partir daí fui questionando todo o resto. Moda é um tema vibrante, atraente e leve que pode atingir muitas pessoas, ao mesmo tempo a moda é pra todo mundo, afinal de contas, todo mundo usa roupas. Então porque não usar a moda como um fio condutor para uma expansão de consciência? Assim foi como aconteceu comigo e acredito que assim pode ser com muita gente.

O 'Se Essa Roupa Fosse Minha', seu programa no GNT, já tratava do assunto de um jeito leve e divertido. Agora, você lança um livro, que sempre pode mudar e marcar a vida de uma pessoa através das palavras, da mensagem que nele consta. Essa é a fórmula para chamar mais gente para o debate?

O livro é um compilado de tudo que eu já falava em diferentes mídias sobre o tema moda sustentável, costurando esse universo com as urgências atuais. Grande parte dele foi escrito durante a pandemia, situação causada justamente pela ação impensada do homem com a natureza. Não podemos dizer que um novo caminho já existe sem também pontuar a realidade caótica que vivemos. O livro traz um textão real sobre como chegamos até aqui. Aponto contradições do sistema, forma de produção, consumo, mostro a moda de maneira mais reflexiva. Por outro lado, trago também temas práticos que são pequenos atos sustentáveis que todo mundo pode incorporar no armário como armário cápsula, customização de roupas, descarte. Então acredito que a fórmula pra chamar mais gente por debate seja justamente alternar entre a urgência e a leveza.

Para essa publicação, você levou cerca de dois anos e parte da escrita foi durante o seu isolamento. Em que sentido a pandemia pôde afetar positivamente (se há algo de bom nesse período) as transformações que você narra? Só um momento como esse poderia potencializar essas reflexões?

A pandemia sem dúvida acelerou valores que ainda estavam engatinhando e a consciência ecológica era um deles. Antes as pautas sobre crise climática ou até mesmo desmatamento ainda eram tímidas. Hoje já vemos esse tema permear entre as matérias principais. Portanto o acontecimento da pandemia sem dúvida norteou o livro e aprofundou o tema, assim como ao mesmo tempo eu amadureci enquanto comunicadora e conhecedora do tema. Não dá pra falar de roupas sem colocar as pessoas à frente.

Sustentabilidade pode ser sinônimo de solução?

Ainda não. Enquanto estivermos sob o comando do capitalismo, será impossível ser 100% sustentável uma vez que esse sistema visa com o lucro acima de tudo. Qualquer sistema de produção e qualquer indivíduo gera algum tipo de impacto negativo no ecossistema. Por enquanto, a sustentabilidade visa diminuir esses impactos e ela só é genuína quando isso acontece em vários pontos da cadeia de produção. A sustentabilidade será solução quando nos aproximarmos e aprendermos mais com os povos originários sobre como se habitar nesse mundo. Por isso a luta contra o genocídio indígena é uma luta de todos. Suas vozes precisam ecoar pelos quatro cantos, são povos cheios de sabedoria sobre como viver de maneira harmoniosa e respeitosa com a natureza.

Através do seu trabalho, você ensina que consumir sem excessos e apenas o necessário é o ideal. Pensando em um Brasil de diversas realidades, extremadas com a crise sanitária, lhe pergunto: há um jeito de adaptar essa frase pra uma vida privada de muitas necessidades básicas?

Quando eu falo de consumo consciente eu tento endereçar a minha crítica a esse padrão de consumo que é imposto pelos mercados à sociedade. Na verdade, eu quero mais é que todos tenham acesso a bens de consumo, que não se limite ao básico, e sim o consumo de coisas que sejam verdadeiramente úteis, saudáveis, que não gerem impactos sobre o meio ambiente e que não tenham na origem da sua produção a opressão e a exploração.

Você já enxerga que a moda, setor responsável por 8 a 10% das emissões de gases de efeito estufa, esteja mudando sua maneira de produção? Como isso vem sendo discutido internamente?

Muita gente me tacha de maluca quando eu digo que a moda é, de alguma forma, um setor pioneiro na sustentabilidade. Mas quando eu digo isso tenho consciência dos altos números de impactos do setor, como esse das emissões de gases de efeito estufa, a cada segundo um caminhão cheio de roupa é queimado ou descartado no mundo, a moda tá entre os cinco setores mais poluentes da indústria. Os números do mercado são assustadores. Por outro lado, praticamente todas as marcas de moda atuais já entenderam que, pra continuarem no mercado é preciso incluir a sustentabilidade de alguma maneira em seus negócios. A moda é um setor latente e ávido por novidades, e a sustentabilidade é um prato cheio para isso. Então o mercado já traz inovações incríveis desde a matéria prima (couro feito a partir da fibra do abacaxi por exemplo), tecnologia para incluir a circularidade na indústria, uso de menos água, energia na produção. As soluções já são muitas, o que precisa ser feito agora é escalar essas soluções para as grandes produções e de maneira acessível.

Num futuro não tão distante, moda e sustentabilidade serão temas, por exemplo, de um debate presidencial? Você enxerga que esses assuntos estejam cada vez mais presentes em programas dos políticos e governos?

Esse movimento tem sido recente, mas já conseguimos ver um número significativo de candidatos ambientalistas eleitos nas últimas eleições para prefeitos e vereadores. Por outro lado, o governo federal atual não tem qualquer cuidado com essa questão e temos um antiministro do meio ambiente, alguém que teoricamente deveria estar ali para defender o meio ambiente, mas está totalmente contra. Então estamos abandonados nesse sentido (e em tantos outros) o que só distancia o país da corrida contra o tempo que outros países se encontram na luta contra a crise climática. Mas justamente por conta de tanto negacionismo acredito que num futuro próximo, pautas ambientais estarão muito presentes. Lá fora, por exemplo, temos a Brune Poirson, uma política francesa que está revolucionando a moda sustentável no país propondo circularidade na indústria. Estamos engatinhando, mas vejo um novo começo de era vindo aí.