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Eduardo Carvalho

O Brasil no quarto do despejo

Getty Images
Imagem: Getty Images

06/01/2021 04h00

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Enquanto as festas em praias, com pequenas e grandes aglomerações aconteciam na noite de 31 de dezembro, a mesa de alguns brasileiros estava vazia. Sendo mais exato, a de 10,3 milhões de brasileiros, que estão, nesse momento, com fome, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.

O dinheiro percebido pela ostentação dos vídeos e fotos poderia ser revertido em alimentos para quem mais precisa, o que não aconteceu.

Na hora da virada, além de saúde e a expectativa de uma vacina que seja possível pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, essas pessoas - que poderiam ser nós - suplicavam para que o Auxílio Emergencial, criado no contexto da pandemia da Covid-19 e considerado fundamental para a proteção da população, fosse prorrogado. É mais que legítimo, já que precisam pagar contas e comprar comida. Ninguém atendeu o pedido. O governo do presidente Jair Bolsonaro chegou a considerar a criação de um novo programa, que ganhou até nome, o Renda Brasil, mas não foi para frente. Seria um rearranjo de todos os programas sociais existentes. Nome de batismo teve, só não uma proposta de fato.

Em entrevista à Band, em dezembro de 2020, disse ter pena dos ''mais humildes'' e que se o Brasil desequilibrar como uma nova prorrogação do auxílio, ''tudo pode ir embora''.

Enquanto isso, 67 milhões de brasileiros ficarão de mãos abanando à espera de algo. Em consonância, o número de famílias na extrema pobreza cresce, ultrapassando a marca de 14 milhões de pessoas. Segundo o Ministério da Cidadania, o total de pessoas em condições de miséria no país equivale a cerca de 39,9 milhões de pessoas.

Todos poderão ser encontrados no ''Quarto de Despejo'', assim como Carolina Maria de Jesus retrata em seu livro diário. Dor, sofrimento, fome e as angústias vividas por aqueles que moram em favelas, e não só. Quase nada mudou de 1960 para cá, ano da publicação dos escritos que reverberam até hoje pela verdade e peso das palavras colocadas ali.

Mas algumas perguntas pairam no ar: não tinha saída? Não poderíamos ter nos empenhado e transformado as realidades que assolam o Brasil? Por que insistimos em aumentar as desigualdades, em vez de diminui-las?

Se o ano 1 da pandemia do novo coronavírus escancarou o tema e nos chamou a agir urgentemente em diversas ações, o ano 2 da maior crise tende a ser pior. Estaremos preparados para ver crescer o número de brasileiros revirando lixeiras em busca de algo que alivie a dor que é não ter nada no estômago?

Ontem (4), depois de repousar por 17 dias, mergulhar no mar e nadar em direção aos banhistas, provocando aglomerações em Praia Grande, litoral de São Paulo, tudo isso com o dinheiro público, o presidente foi categórico. ''O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada (...) Teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos'', afirmou aos apoiadores no conhecido cercadinho do Palácio da Alvorada.