Qual o custo das audiências de custódia online para a sociedade?
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Há quase nove meses, a vida tem sido assim: quando não na frente da tela do celular, na do computador ou da TV. Da sala pro quarto, do quarto pra sala, da sala pra cozinha e por aí vaí. Reunião de pais, filhos, trabalho, encontro entre amigos. Prateleiras, armários, camas e até bibliotecas ganharam espaço na composição do cenário. Quase tudo que era presencial virou virtual, e fomos aprendendo assim, no dia-a-dia, a nos adaptar com a nova realidade imposta pela maior crise sanitária do século.
Mas nem tudo dá para se fazer ''online'', ou melhor dizendo, por vídeo. Pensa comigo: no caso de uma pessoa presa em flagrante, a quem ela deve ser levada? Ao juíz ou juíza, certo? E por quê isso acontece? Para que crimes de tortura e maus-tratos sejam inibidos. Deu pra arquitetar na cabeça onde isso pode chegar?
Se essa pessoa, agora presa, não é apresentada à juízo, como garantir a integridade da mesma? Ok, você poderá retrucar dizendo que ''o mundo está conectado, as instituições podem se adequar ao momento atípico'', etcetera e tal. Eu te convido a analisar alguns números deste enredo.
Uma pesquisa feita pela Defensoria do Rio de Janeiro mostra que, dos presos levados a audiência de custódia entre setembro de 2017 e setembro de 2019, quase 40% relataram ter sofrido tortura ou maus tratos quando detidos.
Outra análise, agora feita pela Defensoria Pública da Bahia entre 2017 e 2019, aponta que 40,4% afirma ter sofrido algum tipo de lesão. A característica mais presente desses casos é única: a maior parte das agressões acontece contra negros - no Rio, cerca de 80%; na Bahia, 91,7%.
Há, com isso, uma dupla penalização, que vigora desde o período da escravidão, ferida que jorra sangue em algum lugar do país neste segundo, que ainda acredita que corpos negros merecem ter menos direito. E mais do que isso: não ter vida, como disse na coluna da semana passada.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou na terça-feira passada, 24, critérios para a realização de audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia do coronavírus. Uma das regras estabelecidas pelo momento é instalação de câmeras 360º nas salas de audiência e equipamentos na porta dessas salas.
''Qual o custo para aquisição dessas câmeras todas? Qual será a quantidade necessária para todos os lugares onde haja presos para audiência de custódia? E para instalação de internet de alta velocidade, para transmitir o vídeo ao vivo e sem que fique caindo ou sendo interrompido o tempo todo? Num país onde, há poucos dias, todo um estado da federação ficou sem luz, a infraestrutura é precária para suportar esta tecnologia'', explícita Mariana Castro, coordenadora de audiência de custódia da Defensoria do Rio.
Os números não mentem: não dá para desperdiçarmos o papel transformador que os encontros presenciais ganharam ao longo dos últimos anos, ajudando na prevenção e no combate à tortura e ao racismo. A Defensoria do Rio indica que de 2018-2019 houve 23% em redução no número de denúncias recebidas nas audiências, o que nos dá a dimensão de que, sabendo-se que o preso será levado imediatamente a um juiz, promotor de justiça, defensor público ou advogado, a possibilidade de agressões diminui.
Na Estado do Rio, houve retomada presencial no início de agosto. Para a volta, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, Secretaria de Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde e especialistas se reuniram para saber quais medidas de adaptação seriam necessárias, além de todos os protocolos de segurança.
A articulação entre as instituições mostrou-se fundamental. Desde então, as audiências de custódia são realizadas sete dias por semana. As salas ganharam um novo desenho para que o distanciamento fosse cumprido, com certificação de que todos presentes estarão com as já conhecidas máscaras durante o encontro. Até o momento, não houve notícia de contaminação.
É como eu disse lá em cima: nem tudo dá para ser fazer ''online'', como uma audiência de custódia.
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