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#DaQuebradaProMundo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Schwarzfahren: entenda por que a Alemanha ainda é racista

Em alemão, "Schwarzfahren" se refere ao uso de um transporte público sem pagar passagem cobrada - Jens Wolf/picture alliance/dpa & Future Image/IMAGO
Em alemão, 'Schwarzfahren' se refere ao uso de um transporte público sem pagar passagem cobrada Imagem: Jens Wolf/picture alliance/dpa & Future Image/IMAGO

27/08/2021 06h00

Schwarzfahren, o ato de andar nos transportes públicos sem pagar pela passagem. Um verbo que é estampado em forma de aviso na rede pública de transportes alemã (assim como na foto que ilustra a coluna), mas na verdade é a junção de duas palavras. Schwarz: preto. Fahren: dirigir. Por que o "dirigir preto" é proibido na Alemanha? E por que algumas cidades progressistas excluíram o termo do próprio vocabulário? Nesta coluna #DaQuebradaProMundo te convido para uma reflexão.

Antes de explicar os desdobramentos do termo, nós precisamos entender as diferenças do transporte público nesse país que estou. Diferentemente da cidade onde cresci, Diadema, aqui na cidade de Berlim os transportes públicos não possuem catraca. Por conta disso, o sistema de segurança e controle é fundamentado em dois aspectos: o primeiro, a honestidade do usuário possuir um bilhete respectivo a cada viagem. E em segundo, oficiais — que a depender do estado, se mantém uniformizados ou a paisana — realizando controles aleatórios nos trens, ônibus e transportes alternativos da cidade. Controles esses que se a pessoa em questão não possuir o bilhete, deverá pagar uma multa de aproximadamente 60 Euros (cerca de R$ 370 na cotação atual). O nome da infração? Schwarzfahren.

De acordo com especialistas e linguistas alemães, a utilização do termo "schwarz" (preto) para se referir a atos ilegais é derivado do idioma galês, e foi inicialmente utilizado por conta dessas atividades serem principalmente realizadas à noite. Entretanto, essa é uma opinião controversa e, pela falta de dados, muito criticada.

No uso cotidiano do alemão, "Schwarzfahren" está se referindo ao uso de um trem, ônibus ou mesmo um bonde sem pagar a tarifa necessária. A associação da cor preta é infelizmente relacionada — em termos éticos — com algo negativo, ou seja, o não pagamento deliberado da taxa exigida para o bilhete.

Do outro lado do debate, foi sugerido pela Iniciativa do Povo Negro na Alemanha (Initiative Schwarze Menschen in Deutschland) que o termo fosse repensado e excluído do vocabulário da sociedade alemã. Para Tahir Della, do ISD, o fato de que o significado da palavra originalmente não tem nada a ver com a origem das pessoas não é motivo para se deixar de insistir na regulamentação linguística. "Mesmo que Schwarzfahren não tivesse a intenção de ser racista, o efeito sobre os afetados ainda é que o negro representa algo negativo, por exemplo, para a criminalidade ou ilegalidade".

Considerando os apontamentos de especialistas nas questões raciais que os fornecedores de transporte das grandes cidades como Munique, Nuremberg, Berlim e Hamburgo dispensaram o termo "Schwarzfahren". Nesses locais é possível se ler o termo "Fahren ohne gültigen Fahrausweis" ("viajar sem um bilhete válido", em português). Todavia, infelizmente ainda se é capaz de viajar pela Alemanha e se deparar com o termo estampado em cartazes oficiais.

Sim, a Alemanha é racista. Não me entenda mal, quando escrevo que a Alemanha é racista, estou me referindo a Alemanha enquanto uma nação, uma instituição regida por leis e aparatos de agressão aos corpos e cores que aqui são minoria. Não estou me referindo aos alemães em si, até porque na minha própria experiência a consciência racial é presente e constantemente debatida por essas terras. Entretanto, é necessário combater o racismo também no campo das ideias e no campo léxico, onde criamos as palavras que criam o nosso imaginário. A utilização da palavra "preto" como sinônimo de ilegalidade é um sintoma cruel do racismo presente no mundo todo: a desumanização de toda uma pluralidade.