Carlos Nobre

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Opinião

Não há futuro sem juventude na Amazônia

Frente às dificuldades reconhecidas em torno da COP30 — sua logística e consequente seletividade na participação —, as organizações de juventude têm se visto afastadas dos espaços de decisão e debate, cuja conquista é justamente o centro de sua luta. Se as críticas ao governo brasileiro se acumulam, como tem feito a própria YOUNGO, esta COP, mais do que as anteriores, apresenta a possibilidade da verdade — como disse o presidente Lula recentemente em Belém.

A Amazônia é pauta central na crise climática, daí a importância de realizar esta COP em Belém. Mas seria exigir demais que, diferente das anteriores, ela viesse sem dificuldades, críticas e contradições. Na verdade, esta é a oportunidade de mostrar ao mundo as contradições e os impasses que estão no coração da crise climática e da própria Amazônia. O fato de o povo amazônida e as juventudes do mundo não conseguirem participar da COP é sintomático. E isso precisa ser exposto.

É verdade que a juventude é frequentemente evocada como portadora de uma promessa de futuro, depositária de um vigor que supostamente a habilita a redesenhar os rumos do planeta em crise. Atribui-se a ela a capacidade de imaginar alternativas além das amarras institucionais, como se sua força estivesse no desprendimento e no frescor de horizontes livres das velhas fórmulas. O jovem é não apenas vítima das catástrofes, mas agente de transformação, convocado a exigir mudanças políticas e assumir a missão de salvar o mundo com energia e criatividade.

Constrói-se, assim, uma imagem da juventude como reserva moral do presente, força latente capaz de dobrar a história, herdeira de um planeta em colapso e sujeito de uma imaginação livre para rupturas. Esse gesto é generoso: reconhece nos jovens não apenas a condição de vítimas do aquecimento global, mas a de protagonistas possíveis, dotados de voz para interpelar governos, sociedades e mercados — investidos de uma esperança que exige escuta, partilha de poder e abertura ao novo.

Entre herança e responsabilidade, a juventude recebe, sem escolha, o peso das decisões passadas, mas abre a chance de subverter paradigmas, trazendo inovação e urgência, recusando a esperança passiva e assumindo a tarefa de construir alternativas. Não se trata, contudo, de um quadro ingênuo: as desigualdades estruturais persistem, e sua voz ainda ecoa em corredores onde o poder raramente lhes é concedido. Por isso, sua ação precisa articular alianças e disputar espaços. É uma aposta intergeracional que vê na juventude não ornamento, mas sujeito capaz de converter a herança da catástrofe em futuro.

Todavia, a juventude amazônica é múltipla: inclui jovens de povos indígenas, quilombolas e comunidades locais, e não pode ser reduzida a uma imagem homogênea de futuro ou promessa abstrata. Ela se constrói no entrelaçamento de trajetórias sociais, culturais e econômicas. O desafio das políticas públicas é compreender essa pluralidade e criar instrumentos que dialoguem com tal complexidade. Garantir a permanência digna de jovens na Amazônia é questão decisiva.

A floresta só seguirá de pé se as novas gerações viverem nela com dignidade, acesso à terra, crédito, educação, cultura e saúde, mantendo a conexão com território e memória. Sem essas condições, resta a migração urbana, onde há precarização e perda dos saberes que sustentam as bioeconomias da sociobiodiversidade. Essa permanência não é apelo romântico: é núcleo material da transição para um desenvolvimento sustentável, pois garante a reprodução geracional das práticas que mantêm a floresta viva.

Essa questão não pode ser dissociada do quadro mais amplo de uma crise civilizatória que se manifesta na disputa pelo território, que é também disputa pelo sentido da natureza e da sociedade. De um lado, persistem os modelos patronais que devastam a floresta e concentram riquezas; de outro, resistem as experiências da sociobioeconomia popular, da agroecologia e do manejo comunitário, que mostram, histórica e ancestralmente, ser possível produzir dignidade sem destruir o ambiente. Nesse contraste, a juventude assume papel estratégico: cada jovem que permanece no território é elo que conecta tradição e futuro, garantindo alimento, cultura e resiliência climática. Essa permanência, contudo, ainda carece de apoio.

A juventude amazônica não deve ser vista como promessa distante nem como fardo isolado, mas como presença concreta que já participa da construção de alternativas ao colapso. Ela encarna, em sua pluralidade, a possibilidade de outro caminho: um desenvolvimento que não separa floresta e gente, pois seus destinos são o mesmo. Garantir sua dignidade e permanência é assegurar o futuro sustentável da floresta e oferecer ao mundo um modelo diante da crise climática. A luta pelo meio ambiente, pela salvação do planeta Terra, é, inevitavelmente, uma luta pela juventude.

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*Pedro Neves de Castro é economista e pesquisador amazônico. É mestre pelo NAEA/UFPA e membro do Youth Advisory Committee do Science Panel for the Amazon. Atua na Secretaria de Meio Ambiente do Pará e na Associação Brasileira de Economistas pela Democracia. Dedica-se a refletir sobre o desenvolvimento a partir das economias e saberes tradicionais da Amazônia.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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