Influenciador digital é responsável pela desinformação?

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A recente repercussão da CPI das Bets levanta um debate urgente: até onde vai a responsabilidade de quem lucra ao promover produtos potencialmente nocivos? Quando um influenciador digital divulga sites de apostas, corre o risco de estimular um vício. Por exemplo, ao promover produtos milagrosos para emagrecer, pode comprometer a saúde de milhares.
Então, quando a publicidade digital beneficia grandes emissores de carbono, o autor contribui para a crise climática, certo? A comparação pode parecer extrema — mas o que está em jogo é a desinformação climática, um veneno que semeia dúvidas, propaga falsas soluções e atrasa decisões. Seus efeitos são mensuráveis em impactos econômicos, na saúde pública e em vidas humanas.
A crise climática ganhou espaço no debate público ao mesmo tempo em que o mundo digital se ampliou. Com ele, surgiram novas ferramentas e estratégias de desinformação usadas por aqueles que lucram com a crise. Uma delas é fazer parcerias com influenciadores: pessoas com grande alcance, criatividade e, talvez o mais valioso de tudo, credibilidade junto ao público.
Uma investigação do site DeSmog documentou centenas de casos nos quais influenciadores foram pagos para promover empresas de combustíveis fósseis em diversos países desde 2017, resultando em campanhas que alcançaram bilhões de pessoas. No Brasil, uma colaboração publicitária entre a petrolífera Shell e o divulgador científico Átila Iamarino, veiculada no ano passado, gerou debate sobre a instrumentalização da credibilidade de influenciadores especializados em ciência.
Essas parcerias comerciais fazem parte de uma disputa narrativa em que empresas cujas atividades causam danos ambientais buscam manter sua licença social para operar — ou seja, manter sua legitimidade diante da opinião pública.
Entre os influenciadores, há quem desconheça os impactos do que promove; outros, mesmo com boas intenções, acreditam estar ampliando o diálogo a novos públicos. Há também quem aceite parcerias pagas para manter a produção de conteúdo, financiar projetos próprios ou atender a exigências de performance nas redes. Seja qual for a intenção, o impacto é real.
Tal constatação nos leva a uma pergunta incômoda: até que ponto o influenciador digital é responsável pela desinformação ou pelas campanhas que reforçam modelos insustentáveis?
Não há resposta fácil. A emergência climática é um tema complexo, e comunicá-la exige urgência, contexto, nuance e cuidado — algo que raramente se alinha com a lógica dos algoritmos e incentivos financeiros das redes sociais.
E, no cenário global, a desinformação climática tende a se intensificar. Um levantamento da organização Global Witness aponta três tendências principais para este ano: a manipulação de narrativas em torno de desastres climáticos, o crescimento do lucro com negação climática e ataques coordenados contra defensores do clima e do meio ambiente.
Em 2024, esses padrões se manifestaram com força nas redes sociais, especialmente durante eventos climáticos extremos. Nos Estados Unidos, o furacão Helene foi seguido por uma avalanche de teorias conspiratórias sobre manipulação climática e imagens falsas criadas por inteligência artificial. Na Espanha, durante as enchentes em Valência, boatos sobre remoção de barragens e geoengenharia proposital se espalharam pelas redes sociais. No Brasil, durante a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, influenciadores digitais ganharam monetização com a divulgação de notícias falsas nas redes.
E decisões como a da Meta, que encerrou programas de checagem de fatos no Facebook e Instagram, deixaram o ecossistema digital ainda mais vulnerável à proliferação de informações falsas.
Especialistas apontam que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas por moldar esse ecossistema de informação e por lucrarem diretamente com a viralização de conteúdos enganosos. Enquanto isso, o mercado de influência digital segue operando num território cinzento, onde a liberdade criativa muitas vezes esbarra na responsabilidade coletiva.
Em 2024, o secretário-geral da ONU, António Guterres, sugeriu a proibição de publicidade de empresas de combustíveis fósseis, quando fez uma analogia com o banimento dos anúncios de tabaco. Tão relevante que, durante a Cúpula do G20 em novembro, a Unesco, as Nações Unidas e o governo brasileiro anunciaram a criação da Iniciativa Global pela Integridade da Informação sobre Mudança Climática — um novo esforço multilateral voltado a promover a comunicação baseada em evidências e combater a desinformação.
É urgente ampliar a conscientização de influenciadores e agências para que entendam o impacto de suas escolhas. Promover conteúdos com responsabilidade climática não significa abrir mão de parcerias, mas sim estabelecer critérios mais sólidos de integridade e transparência.
Com sua capacidade de mobilização, de traduzir temas complexos e de construir confiança junto ao público, os influenciadores podem — e devem — ser aliados na construção de uma nova cultura de responsabilidade comunicacional.
*Cynthia Soneghet é formada em comunicação social pela Faesa, fez pós-graduação em comunicação digital na ECS de Bruxelas e é realizadora do programa TILT
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