Carlos Nobre

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Opinião

A luta da ciência contra o ceticismo do governo Trump

Os Estados Unidos são o país com mais laureados com o prêmio Nobel. Grande parte deles é referente às ciências, incluindo Física, Química e Medicina. Mas isso parece não ter importância, pois milhares de brilhantes cientistas americanos ficaram na mira desde que Donald Trump assumiu novamente a presidência dos EUA. Os primeiros meses do governo Trump foram marcados por cortes profundos no financiamento de pesquisas científicas em diversas áreas do conhecimento, especialmente em relação ao meio ambiente e às mudanças climáticas.

Da intensificação das ondas de calor mortais aos incêndios e furacões devastadores, as mudanças climáticas vêm afetando todos os setores da sociedade americana. A fim de proteger os americanos dos riscos, o congresso aprovou em 1990 uma lei para estimular a investigação dos impactos climáticos por meio de uma avaliação bastante abrangente. Desde então, o governo publicou cinco Avaliações Climáticas Nacionais (NCA) que ajudaram a orientar os setores produtivos, as políticas de saúde e a proteção e socorro aos extremos climáticos.

O trabalho na sexta avaliação (NCA6) estava em andamento quando cientistas receberam, no final de abril, a notícia que seus serviços não eram mais necessários. A NCA6 é uma exigência do congresso americano e está prevista para ser divulgada em 2028. É possível que seja publicada mesmo sem especialistas para compilá-la e isso pode produzir uma irresponsável e perigosa pseudociência.

A pressão sobre os colegas americanos vem de todos os lados. Desde a posse de Trump, estão cercados por isso o tempo todo, recebem cartas de suas administrações sobre o que podem e não podem fazer. A velocidade com que os impactos estão chegando nas instituições e pesquisadores tem sido muito rápida e drástica.

É muito preocupante que o governo Trump tenha desativado os principais conjuntos de dados sobre o gelo marinho que soaram o alerta sobre as mudanças climáticas no Ártico. Cortes na NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional) estão degradando esses conjuntos de dados usados para monitorar as partes do planeta que estão aquecendo mais rapidamente. Centros do mundo inteiro utilizam e dependem dos valiosos conjuntos de dados e produtos da NOAA que são utilizados na operação, pesquisa, educação ou planejamento. Mais medidas semelhantes estão por vir, alertou a NOAA.

Ajuda aos colegas americanos

No início de maio, a AMS (Sociedade Meteorológica Americana) e a AGU (União Geofísica Americana) se comprometeram a oferecer uma alternativa para o importantíssimo trabalho sobre os impactos das mudanças climáticas nos EUA. Uma publicação especial independente nos periódicos dessas duas sociedades científicas, que não vai substituir a NCA6, fornecerá outro meio para compartilhar pesquisas climáticas cruciais e verificadas que podem subsidiar a tomada de decisões políticas, como por exemplo, os alertas precoces aos extremos climáticos.

Outras iniciativas estão acontecendo nos EUA e no mundo para apoiar os esforços de pesquisa interrompidos pelo governo Trump. Em março ocorreram protestos em mais de 30 cidades nos EUA para se opor aos cortes no financiamento e nos funcionários públicos federais que fazem pesquisa científica.

Recentemente, líderes das maiores organizações de ciências da Terra se comprometeram a apoiar pesquisadores americanos. A Conferência da União Europeia de Geociências (EGU25), que ocorreu entre 27 de abril e 2 de maio na Áustria, contou com a presença de mais de 20 mil cientistas de mais de 120 países. Mais de 800 cientistas americanos participaram do evento para apresentar suas novas pesquisas de ponta sobre os riscos e impactos das mudanças climáticas, poluição e outros tópicos ambientais urgentes.

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Durante o evento, pesquisadores do mundo disseram que resistirão aos ataques à ciência e apoiarão os colegas americanos perseguidos. A comunidade científica global prometeu que vai se unir aos pesquisadores americanos e enfrentar a onda de propaganda anticientífica e de desinformação que está inundando a mídia global e distorcendo a tomada de decisões sobre tópicos como aquecimento global, qualidade do ar, eventos extremos, pandemias e usos da terra.

Esforços para resistir aos muitos cortes já feitos e potencialmente ilegais em programas científicos e para ajudar pesquisadores afetados nos EUA já estão em andamento. Isso começou com a solidariedade comunitária, apoio pessoal e emocional e, potencialmente, até mesmo ajuda financeira, como um pacote de incentivos de 500 milhões de euros para atrair cientistas americanos, especialmente os demitidos pelo governo Trump, para trabalharem na Europa e avançarem nas suas pesquisas.

A supressão da ciência em qualquer lugar do mundo é uma tragédia e afeta vários países. O Brasil tem vários projetos de pesquisa em diversas áreas do conhecimento em cooperação com os EUA, uma forte liderança mundial para vários programas de pesquisa pioneiros. Torna-se muito relevante também o Brasil criar mecanismos para atrair muitos destes cientistas americanos que são nossos parceiros, incluindo nas pesquisas ambientais e climáticas sobre a Amazônia.

Sabemos quão devastadora é a atual situação para muitos pesquisadores nos EUA. A comunidade científica internacional é robusta e precisamos ajudar os colegas americanos a superar esse período dramático. A ciência não tem fronteiras.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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