Ciência, mudanças climáticas e as posições negacionistas

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O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou na posse do seu novo mandato que o país deixará o Acordo de Paris e aumentará produção de petróleo. Esta decisão ocorre quando temperaturas médias globais ultrapassaram pela primeira vez o limite crítico de aquecimento de 1,5ºC em 2024 e chegaram num recorde histórico de 1,75ºC em janeiro de 2025. Autoridades brasileiras avaliam que a decisão de Trump de retirar EUA do Acordo de Paris vai impactar as discussões e negociações da COP30, Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança no Clima, que vai acontecer em novembro de este ano em Belém.
Ao tomar posse, Trump anunciou que os EUA estariam encerrando relações com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Após alguns dias, a Argentina anunciou também a sua retirada, no que perece um jogo de imitação.
É esperado que o governo Milei remova a Argentina do Acordo de Paris. Embora a decisão ainda não tenha sido oficializada, o país pode seguir os passos dos Estados Unidos. Atualmente, não fazem parte do acordo: EUA, Iêmen, Irã e Líbia — e, em breve, possivelmente a Argentina.
Em menos de três meses após assumir a presidência do país, o presidente da Argentina acabou com o Ministério da Ciência e Tecnologia, congelou o orçamento das universidades públicas e anunciou a suspensão de concessão de milhares de bolsas de pós-graduação, particularmente para estudos sobre mudanças climáticas. A destruição da ciência da Argentina está sendo perpetrada por este presidente de forma assombrosamente rápida.
A Argentina sempre esteve na vanguarda da ciência por décadas. Tem 5 prêmios Nobel. Um deles de 1967, em que o cirurgião cardiovascular argentino Dr. Rene Favaloro inventou a técnica da cirurgia de ponte de safena, que se desenvolveu e se popularizou pelo mundo todo.
Em resposta ao cenário de desmonte da ciência na Argentina, 68 ganhadores de Prêmios Nobel de Economia, Física, Medicina e Química escreveram uma carta ao presidente argentino, alertando para os perigos de sua conduta anticiência. Eles pressionam o governo a suspender as restrições impostas ao importante setor de ciência e tecnologia de seu país.
Notícias recentes indicam que a Argentina manteve sua política de cortes, reduzindo verbas para pesquisas científicas e eliminando aquelas voltadas a programas sociais e mudanças climáticas. A medida reflete um viés negacionista que pode impactar diretamente a população. Para o governo, a pesquisa deve servir ao crescimento econômico e ao desenvolvimento estratégico do país, deixando em segundo plano a soberania climática e os estudos sociais.
Em novembro passado, a Argentina retirou sua delegação da COP29. O presidente Milei deixou sua marca ao se retirar da delegação argentina de negociações, e um fato que as organizações socioambientais do país marcaram como um retrocesso histórico em matéria de política ambiental e climática. No 54º Fórum Econômico Mundial de Davos em janeiro de 2025, o presidente Milei negou que os humanos sejam uma causa das mudanças climáticas, e condenou o movimento ambiental global.
No ano mais quente da história, 2024, os EUA e a Argentina sofreram com desastres hidro-meteorológicos e ondas de calor e frio que impactaram suas populações, a segurança hídrica, alimentar e energética. Mas as vidas perdidas, os prejuízos econômicos e as previsões de intensificação dos extremos climáticos nas próximas décadas parecem não abalar os presidentes dos dois países. O planeta está à beira vários pontos de não retorno, os chamados "Tipping Points". Agora, o presidente dos EUA quer criar o primeiro ponto de não retorno sociopolítico, o "Trumping Point".
O nível de ceticismo e negacionismo climático dos governos da Argentina e dos EUA preocupa a comunidade científica e a população. Argentina e EUA, como qualquer país do mundo, são vulneráveis aos extremos de clima e as mudanças climáticas.
Desastres climáticos matam pessoas, e ignorar essa ameaça é brincar com as vidas das pessoas vulneráveis. Este precedente pode se espalhar por outros países da região.
A já confirmada saída, dos EUA representará um grande golpe para os esforços globais de combate às mudanças climáticas. O acordo visa limitar o aumento da temperatura global a bem abaixo de 2°C e, idealmente, rápida redução de emissões para não superar enormemente o valor de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. A tão sonhada resiliência estará cada vez mais longe de ser alcançada.
Em novembro desse ano, o Brasil estará no centro das decisões sobre o combate ao aquecimento global. No âmbito social, a COP30 pode promover uma maior conscientização e engajamento da sociedade brasileira nas questões ambientais. A conferência deve mobilizar a população em torno de temas como desmatamento, poluição e justiça climática, incentivando a adoção de práticas mais sustentáveis no cotidiano. A COP30, vai reunir líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil em Belém. Temos que tornar a COP30 a mais importante de todas e buscar super-rápidas reduções das emissões.
*José Marengo tem graduação em Meteorologia e mestrado em Engenharia de Recursos de Água e Terra pela Universidad Nacional Agraria do Peru. É PhD em Meteorologia pela University of Wisconsin dos EUA. Fez pós-doutorado em modelagem climática na Nasa-GISS, Columbia University em Nova York e na Florida State University. Foi coordenador científico da previsão climática do CPTEC-INPE. Atualmente é pesquisador titular e Coordenador Geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
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