Carlos Nobre

Carlos Nobre

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

A Amazônia rumo à COP30: retrospectiva de 2024 e desafios para 2025

Em 2024, a Amazônia enfrentou um cenário climático e ambiental extremamente grave, com incêndios florestais atingindo níveis recordes e intensificando as emissões de gases de efeito estufa, que já superam as de 2023, apesar da contínua redução do desmatamento.

A seca severa e prolongada contribuiu para o aumento das queimadas em todo o bioma, com a área incendiada em 2024 somando cerca de 16 milhões de hectares, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Esse cenário foi agravado pelo fato de que quase todas essas queimadas foram causadas pelos humanos.

As emissões por queimadas estimadas pelo programa europeu Copernicus mostraram que a estimativa total de emissões de CO2 dos incêndios florestais no estado do Amazonas foi de cerca de 103 Mt CO2, o maior valor registrado nos 22 anos de monitoramento.

Entre janeiro e outubro de 2024, as temperaturas máximas na Amazônia Legal, registradas pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), ficaram até 5,1°C acima da média climatológica de 1991-2020. Foram estimadas até cinco ondas de calor na região, com duração de até 90 dias. De acordo com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), chuvas abaixo do normal (-200 a -400 mm) foram registradas na Amazônia em 2024, associadas ao fenômeno El Niño e à fase quente do Atlântico Norte Tropical e da Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO), uma variabilidade natural da temperatura da superfície do mar (TSM) no Atlântico Norte.

As secas extremas reduziram o nível do rio Negro, em Manaus, a 12,26 metros, o menor valor registrado em 122 anos, conforme apontado pelo Boletim de Alerta Hidrológico da Bacia do Amazonas do Serviço Geológico do Brasil. Embora o estado do Acre tenha enfrentado uma seca intensa em 2024, chuvas acima do normal (+400 mm), relacionadas a um período de Oscilação Madden-Julian (um fenômeno meteorológico que se caracteriza por uma sucessão de chuvas tropicais aumentadas e diminuídas, que se propaga para leste) combinado com as águas excepcionalmente quentes no Pacífico Equatorial Ocidental devido ao El Niño, provocaram inundações que elevaram o nível do rio Acre em até 7 metros.

As inundações no Acre em fevereiro de 2024 tiveram impactos significativos sobre as populações ribeirinhas no Peru, Brasil e Bolívia, causando deslocamentos e perdas de vidas humanas. Simultaneamente, a seca amazônica impactou severamente a fauna aquática, comprometendo a produção de energia em hidrelétricas, o transporte fluvial e o acesso à água potável para as comunidades ribeirinhas.

Em tendência contrária e positiva, o desmatamento na Amazônia Legal apresentou uma redução significativa em 2024, com uma diminuição de 30,63% no período de agosto de 2023 a julho de 2024 segundo estimativa do sistema Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia), do Inpe. Esse resultado alcançou a menor taxa em 15 anos, graças aos esforços coordenados do governo brasileiro no combate ao desmatamento e no enfrentamento de práticas ilegais, como o garimpo e a grilagem de terras.

Embora tenha havido redução significativa nas emissões de gases de efeito estufa devido ao desmatamento, com uma diminuição de 400,8 milhões de toneladas de CO2 na Amazônia e no Cerrado em relação ao ciclo 2021-2022, os incêndios florestais intensificados pela seca histórica de 2023-2024 geraram um aumento alarmante das emissões, refletindo a gravidade das condições atuais. Esse cenário foi evidenciado pelo avanço da degradação na região Amazônica, com a área detectada pelo Inpe saltando de 15.504 quilômetros quadrados em 2023 para 57.650 quilômetros quadrados em 2024.

Em 2024, as emissões de dióxido de carbono em parte da Amazônia e no Pantanal atingiram níveis recordes. A fumaça desses incêndios ultrapassou as áreas afetadas, atravessando o Atlântico em direção ao continente africano e contribuindo para a degradação da qualidade do ar em diversas regiões da América do Sul.

Continua após a publicidade

O cenário de seca severa na Amazônia em 2024 reflete a crescente frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, impulsionados pelo avanço do desmatamento e da degradação, somados aos efeitos do aquecimento global que impactam a região.

No contexto atual, incêndios e queimadas afetam a saúde das populações, com concentrações de material particulado excedendo as diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde) em algumas regiões do Brasil e da Bolívia, causando doenças respiratórias e circulatórias, especialmente entre populações vulneráveis como crianças, idosos. No Brasil, entre janeiro e julho de 2024, quase 650 mil pessoas foram atendidas em hospitais com doenças respiratórias relacionadas às queimadas e à poluição.

Um estudo da Universidade de Bonn e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) mostra que controlar o desmatamento melhora a saúde local, reduzindo a emissão de fumaça de incêndios e diminuindo as hospitalizações por problemas respiratórios em 1,7 caso por 1.000 habitantes por município anualmente.

O contexto de degradação ambiental e social indica que, embora alguns avanços tenham sido feitos no controle do desmatamento, os desafios enfrentados pelas comunidades locais e pelos governos são profundos, e a luta contra a destruição da Amazônia continua a exigir ações urgentes e integradas.

O que está por vir em 2025 ainda é incerto no que diz respeito à amenização do cenário climático. Embora tenhamos os melhores dados e análises para previsões climáticas, as incertezas refletem os efeitos complexos e não lineares das interações do sistema climático global, influenciados pela perda da cobertura florestal e pelo aumento das concentrações de CO2, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e com o risco de aumento das emissões pelos EUA com o governo Trump.

As lições de 2024 reforçam a relevância de medidas transfronteiriças e intersetoriais de mitigação e adaptação climática, focadas na manutenção da floresta em pé, e mostram que todos precisam da Amazônia para garantir o equilíbrio climático, a segurança hídrica e a preservação da biodiversidade global.

Continua após a publicidade

A COP30, que será realizada na Amazônia, tratará de questões cruciais para o futuro da região, do país e de suas populações, destacando a urgência de ações diante das ameaças à biodiversidade e dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

O Brasil terá a responsabilidade de apresentar sua vasta área de floresta amazônica não apenas como um símbolo global, mas como um elemento central de uma política coerente e integrada, que articule setores estratégicos como energia, uso da terra e agricultura, promovendo soluções sustentáveis e equilibradas para os desafios climáticos e sociais.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.