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Café com Dona Jacira

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Verdades, mentiras, de boca aberta e queixo caído. (Amaélia - parte 2)

Amaélia - parte 2 - Victor Balde
Amaélia - parte 2 Imagem: Victor Balde

11/07/2021 06h00

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Verdades, mentiras, de boca aberta e queixo caído.

O lugar era lindo.

Tão lindo quanto o andor da procissão de Nossa Senhora do Carmo, a santa que foi apresentada a ela na infância como a padroeira do lugar.

Hoje, só hoje, reescrevendo esta passagem, veio a pergunta: Quem é Nossa Senhora do Carmo? O que faz? Qual sua saga? É negra, indígena ou é branca?

Em seguida corrigiu o pensamento, após o sinal da cruz, olhou em volta pra ver se tinha mais alguém ali.

Não tinha, ainda bem, fez novamente o sinal e se corrigiu.

Nenhum lugar pode ser mais bonito que o esplendor de nossa senhora.

Saindo do catolicismo e já estando agora evangélica, e tardiamente budista, não se livrava dos cestos adquiridos lá pra trás.

E pra se livrar de um, adquiria outros sinais.

Se benzia a todo momento, se acaso passasse em frente a uma igreja tornava benzer. se por qualquer motivo, alegria ou derrota, pronto lá ia, mão direita na testa a um ombro, ao outro, umbigo, boca e pronto, tava benzida.

Como lhe foi ensinado que seria certo na roda dos terços na igreja, no catecismo.

E nem ligava mais sinais aos fatos, fazia a coreografia muitas das vezes até fazendo fofoca, cantando um samba, catando piolho.

Era um siricutico que ela tinha que a mão nunca que se governava, e quando ela reparou e quis parar. inclusive com a reprovação de sua matriarca Dona Xica Mixirica, que inquiria como algo precioso que ela poderia vir a precisar numa travessia qualquer.

Deixar a igreja já era um erro, agora deixar os sinais, era desligar de tudo isso também.

Num era bom, sabe como é, né? Pelo sim, pelo não, era melhor manter o vínculo?

Se for pra patentear mesmo a realidade, teve um momento que ela tentou mesmo tirar a cruz das costas.

Antes acendeu as velas de batismo das crianças sem permissão quando faltou energia.

Noutro dia comeu e deu feijoada às crianças numa sexta maior.

Disso até seu Jeremias inquiriu:

- Mas Amaélia minha filha, tu pecas e ainda levas as crianças a pecar junto? Assim a vida nunca melhora, nunca há de melhorar.

- Então senhor sem pecados, resolva.

Mais tarde ele foi a panela e comeu também, mesmo sendo pecado.

Daí o próximo passo seria policiar a mão direita toda vez que ela se armasse para o rito, a mão esquerda ganhou emprego, sempre vigilante.

Mas e o pensamento que sozinho já sabia a coreografia, o que fazer com ele?

Ela recheou o pensamento de samba, fez um sarapatel imenso, escreveu eles sobre o pensamento onde tinha os hinários.

Que até hoje não esqueceu, porque os desígnios do capitalismo religioso são pegajosos e nunca caducam.

Para cada oração uma canção do mundo.

Mas tarde brigou com outros símbolos, que ela mesma buscou, depois tentou apagar, Eles pesam, são uma pedra amarrada ao pé, não permite evolução e questionamento é amém e pronto.

Na verdade, bem medido e bem pesado, Dona Xica nunca procurou saber, se tivesse procurado saberia que seu anjinho tirou mesmo missa até uns 6 ou 7 anos, e de muito má vontade, até perceber que o céu era longe.

No horário da missa escondia o hinário nalgum lugar e ia rodar no dangue até bater o sino.

Por esta razão, Amaélia tentava acertar o que devia a igreja dali pra trás, para poder um dia fechar a conta, e encerrar o acordo, fazer novas contas dali pra frente.

Fazer novos pecados e deixar pra lá o caminho do calvário, tinha direito a cair noutras ciladas.

Por isso que diante do exposto, ali mesmo, desacreditou da bisa.

Deus a livrasse, mas a bisa nunca tinha entrado ali não. Ela mentiu.

E se o inferno fosse assim, então que merda fariam no céu, bateu-lhe ali o arrependimento de ter acreditado no inferno.

Ela bem poderia ter sido rodada, sambada, saída, perdida, vivida e ter visto a vida mais colorida.

Aquilo era o céu no inferno.

Falava-se tanto daquele lugar, esqueceram de dizer que era bonito.

E isso nem era assunto pra gente descalça.

Na sala de casa.

Gente descalça nunca podia ouvir as falas, quando a conversa era boa sempre davam um jeito pra ela sair da sala.

Ela tinha que acender um cigarro, buscar água, cachaça, buscar vento.

Toda vez que o assunto era bom.

Como se pênis, vagina e sentimento fosse algo que só gente sofrida e grande tivesse.

Pois agora iria se calçar, procuraria saber, e como era gente que aprende para ensinar, saberiam de sua boca o que descobrira sobre a casa proibida, amaldiçoada e desejada.

Sonhava tanto com um príncipe que viria salvá-la daquele mundo que confundiu seu Jeremias com ele.

Quando viu o quarto vinte e sete o fantasma de sua infância acordou e disse:

- Era daqui que meu príncipe viria e este mundo já existia nela, era este o medo das pessoas grandes que a gente se perdesse entre os monstros da nossa própria criação.

E vendo ali beleza, só por isso já era um tanto feliz.

Vivia ainda entre a felicidade de ser obediente pra ir pro céu.

Ser justa pra poder ter a felicidade desejada sem tirar nada dos outros, ter algum dinheiro pra si.

Ser ela mesma e mandar todos a merda não era fácil, essa parte era a mais difícil.

Estava livre pra trabalhar e criar os filhos, mas como mulher estava presa ainda às trevas do tal pecado, mas ela se livraria sim, porém do seu jeito.

Pecado deveria ser passar necessidade e nunca ter paz.

Foi criada entre pragas e castigos, mentiras, medos e confissões sem sentido, tinha medo.

A freira megera ensinava que todo santo se veste de luz.

Apesar do mau agouro que nos depositava, como gente que ela achava sem futuro.

Nem sabia porque não esquecia aquela mulher, nem ia na igreja mais.

Mas mantinha a obediência, a igreja ainda estava nela, tinha medo da mão pesada do Senhor que infringia castigos como a fome.

Naquela miséria, talvez ainda por azar, poderia precisar de uma ajuda, uma cesta básica, um tico de leite, isso só a igreja dava.

Homens e mulheres reprimidos, desumanizados e sem caráter correm só atrás de lucro, viram coisas variadas.

Eles sim são o demônio na terra, fundamentalistas.

Então são capazes de gozar sobre o sofrimento alheio, porque tem vários pesos e várias medidas, e estão sempre dispostos a tirar do outro muito mais do que lhes foi tirado.

Tem a chave da cidade e do céu na mão.

A vida já lhe havia recolhido o título de pessoa justa que trouxera da infância.

Pecadora já era mesmo sem nunca ter entrado ali.

Era difícil acreditar que ali tudo era pecado.

A felicidade haveria de lhe mostrar o melhor caminho, Amaélia sabia que aquele emprego apenas não resolveria suas questões, ela precisava saber mais.

A freira do convento que evitava ser tocada pelas crianças de cor, usava uma vareta comprida para tocar as meninas quando queria chamar sua atenção e ela ensinava que a felicidade era um atalho pro mau caminho.

O que será que faltava na vida daquela criatura, monstro que se escondia atrás daquela grade, faltava alguma coisa.

Ah! Respeito e educação pelas crianças também era um artefato que faltava nela.

Mas Amaélia veio pra acordar Jacira pra vida só com o olhar e o pensamento.

Mas ela mesma ainda se mantinha na ignorância, virtude em primeiro lugar.

Era triste mas era fiel.

Fiel a que? Fiel a tristeza.

Esperava coisas imaginárias, como a bisa, que esperava a volta de seu marido que havia abandonado ela depois que ela pariu 16 filhos.

E ele veio, bem no dia do velório dela.

E a isto tudo ela chamava de desígnios de Deus.

Num rompante ela pensou: Marrapais, pecado mesmo devia ser se deitar com o sujeito, no meio do mato, entre o capinzal e o sereno. Entre o céu e a terra apenas. Ficar com o corpo todo lanhado, moído, cheio de capim seco. Correndo o risco de deitar em cima até de um cadáver, de bicho ou de gente. Vir alguém, que com muito azar, fosse conhecido e reconhecesse a cara de quem estava ali entregue aos azares ou a sorte da natureza, podia inclusive chover. Fazendo com que algo que deveria ter sido prazeroso se tornasse motivo de ameaças por muito tempo por alguém ter descoberto o segredo é querer tirar vantagem.

Aliás, nosso não.

O segredo era de Amaélia, o foder é do homem.

O se foder é feminino.

Morrendo de medo de vir gente conhecida como um maldito parente.

Uma mulher mau amada, uma beata, uma carola, uma virgem arrependida, uma viatura ou a própria mãe da pessoa, muitas são as possibilidades numa hora dessa.

Ninguém aparece quando é realmente preciso, quando acaba um gás, quando a gente quer que apareça, aí não vem.

As vezes acho que enlouqueci, estou devaneando, Amaélia nunca viveu ou passou por isso.

Será que essa mulher sou eu de tanto que sei?

É bem verdade que na hora ninguém pensa nisso, devido a euforia que o momento trazia.

Só a euforia faz com que a pessoa transgrida e faça do desejo ação.

Esquecia o medo e ali fizesse a vontade de seu corpo para acalmar o coração.

E quantas que ali, seria talvez, uma única vez, e daí.

E fala sério, quem em pleno gozo pensaria em esperar pra viver aquele momento em melhores lugares?

Sabendo que talvez fosse impossível, se fosse bem pensado, dava errado.

Mas bem pensado, era sim verdade que a pessoa ficava exposta a abuso.

E que sinceramente a gente aprendeu que o sexo era sinônimo de desgraça.

Vivemos para ver de perto vários casos trágicos, desgraça que muita gente viu de perto e algumas nem sobreviveram pra contar.

Era sempre uma surpresa, igual na novela, uma coisa que a pessoa é ensinada a recusar porque não é bom.

Aí vem a natureza e diz eu quero e quero agora.

Sim, muitas vezes acabou em lágrimas, dor e arrependimento.

Mais um trauma pra vida, que um bom cineasta transforma num recorte emocionante, e zás, fica famoso com desgraça alheia, mil curtidas por segundo.

Mas dois ou três minutos, seja sincero, é pouco tempo pra imaginar o que pode não dar certo.

Com os hormônios estourando por dentro.

Quem conseguiu e nunca se arrependeu, fale ai?

Mas o que era sexo afinal?

A gente só ouvia o pior.

Mais que aquela coisa que acelera o coração da gente, faz o corpo beliscar por dentro, e deixa a gente feliz até diante de uma fratura exposta.

Que faz com que a gente mude de humor igual camaleão muda de cor.

ERA SEXO TAMBÉM.

E QUE PIORAVA OU MELHORAVA DIANTE DO NOSSO AFETO.

ISSO NINGUÉM DIZIA.

E QUE FAZ UMA PESSOA DE JUÍZO ROLAR NO MATO SECO INDO CONTRA SUA RAZÃO, OBEDECENDO SÓ O SENTIMENTO DE GOSTO, POR PRAZER, ISTO CADA UM QUE CONTE O SEU.

E QUE É GOSTOSO DEMAIS, É.

ISSO EU NUNCA VI NINGUÉM FALAR. NEM EU NEM ELA.

ISTO É DESCOBERTA, SÓ PRA QUEM FAZ A TRAVESSIA.

A velhice de muita gente é cheia desses pensamentos, de uma única vez ou de vivências felizes, tenho cadernos cheios delas, axé.

Mas passado anos, e se aquele orgasmo no meio do abismo, tolo, embora gostoso, virasse uma cilada?

Que a levou a se casar com aquele indivíduo, que por pouco, se não fosse o socorro da família, teria feito daquela moita a morada e ali fizesse menção de fazer família.

COMO SE FOSSE ELA OU EU, UMA MINHOCA, UMA VACA OU UM PASSARINHO

Isto parecia sim com pecado, por isso tanto sinal da cruz.

Mas nos três segundos do segundo tempo era bom se tudo saísse bem.

Fazia-se amor como os animais, achando que não daria nada, não diziam que éramos todos como os animais, como os cães que as pessoas jogavam pedra quando ficavam atados um ao outro na rua.

Teve um tempo que Amaélia desejou ser rica para derrubar todos os matagais e cimentar o mundo, encher de casas com quartos como aqueles, depois aquietou.

As pessoas não iam ali no motel só pra, falando claramente, dar uma e sair fora, não.

Era um lugar de negócios, pessoas se guardavam ali.

Foi ali que ela conheceu Tim Maia, ele era generoso, dava caixinha, deu mais pão aos seus meninos que o próprio pai.

Todo domingo de tarde era sessão da tarde, cheio de surpresa, as vezes a polícia dava batidas e descobria menores ali e ia todo mundo embora de viatura, era um chororô.

Então aí Amaélia descobriu.

Há sim pessoas que vão transar no motel.

E ele se tornava tão perigoso quanto a moita.

E a única coisa que a bisa acertou (o diabo ajuda fazer, mas não ajuda esconder)

Era também um tempo triste porque o HIV estava matando a população mundial e pouco se sabia sobre a tal doença, como este Covid.

As pessoas encolhiam, secavam e desapareciam, e ficavam vivas, pra só depois murchar de vez e morrer.

Algumas pessoas escreviam no espelho: Bem vindo ao grupo da aids.

Era um choque, parecia que só de ler já se contaminava.

As pernas tremiam, a boca secava e o medo dominava.

Olha ai o que o amor faz, o amor é ruim.

Amaélia tinha pudor a palavra amor.

Naquela altura do jogo.

O amor só lhe trouxera problemas, os antigos estavam cobertos de razão.

Amaélia soubera do amor por bocas cheias de veneno, que só diziam o que era ruim.

Pessoas sofridas, fervorosas beatas, e devotadas ao culto, ratazanas de sacristia e casas paroquiais, e gente com medo.

A mulher do catecismo.

Agradava o padre, como se ele fosse o último biscoito da terra.

Pudesse ela, se tivesse poder prolongaria os dias do padre com o nosso sangue.

No natal na casa de mãe, na hora da despedida.

O sinal de reprovação se dava na hora de tomar o último cafezinho que separava este encontro de natal com o próximo, onde a casa seria preparada para aquela gente.

Que bem na soleira da porta diziam: Suas cortinas são bonitas, você só precisa aprender comigo as cores que ornam. Seu feijão falta algo que minha inveja não me permite dizer. Beije os meninos por mim, não beijo negros. Você não tratou de clarear o canto da cama, insiste em ser assim, negra.

E nesta hora passavam ali todo segredo de seu levain.

Quem sabe o que vem a ser levain, sabe que a pessoa recebe o conteúdo, mas só o clã recebe o segredo.

E isto é um sinal de ser aceita ou não.

E diziam.

Fulana é preta mas é gente boa, eu diria até que cá em casa a tratamos como se fosse gente.

E todos se riam, inclusive nós os pretos.

Era muito longe ainda pra gente perceber que, o que pra eles era piada, era nossa vida, nossa pele.

A mãe dela era uma ótima cozinheira de forno e fogão e era caprichosa e humilhada.

Quantas piadas como esta a gente teve que suportar.

Isto ainda era dito nos anos 70, 80 e 90, e alguém aqui agora estará dizendo isso pra si.

E cruzando os dedos.

Amaélia não foi criada para constituir família, e sim pra servir, então não carecia nem se atrever a rever, nem raciocinar, nem querer amor.

Mas bem medido e bem pesado quem quisesse ter dó e resolver, teria que ter um mundo novo pra reiniciar a história mal contada, forjada assim desde o passado.

O mundo que surgiu do estupro da cruz e a espada.

E com isso ela ainda nem sonhava.

Era isto que repugnava e trazia incômodos a Amaélia quando a palavra era amor.

Mas o quarto era verde, verde de dois ou três tons.

Lembrava a mata da serra na quaresma, Na quaresma as árvores se enfeitavam de todo tom.

Haveria de dar a volta por cima, a voz dizia isso.

Perto do carnaval a floresta se enfeita de tons e semi tons de rosa.

São as quaresmeiras, que estão em festa, fazendo amor com o vento.

Mas aí sim, porque elas gestavam e pariam flores.

Ah! E a cama, a cama era redonda, re-don-da, dizia ela a uma vizinha e a quem quisesse ouvir.

As pessoas nem queriam ouvir o que ela tinha a dizer sobre aquele lugar.

Eles tinham suas conclusões erradas.

E ela dizia:

- O lugar era bonito, colorido, lá não se usa apenas um lençol, não. Tem um lençol de baixo sem estampa, daí tem duas fronhas.

Ter duas fronhas é um sinal de que nunca se deve dormir sozinho.

Eu sei o que é dormir só, mesmo estando junto.

As estampas, continuava sem deixar a realidade se alastrar.

- Era de hibisco ou chita, muito colorido, e por cima de tudo um lençol grande igual as fronhas, cobria tudo era muita fartura.

E fazia-se uma voltinha do lado direito pra que o lençol de baixo ficasse à mostra.

Era padrão.

Aprendeu mais esta.

UM DIA FEZ ISSO EM CASA E DESCOBRIU DUAS COISAS:

AS CRIANÇAS NÃO DAVAM A MÍNIMA.

Havia quem soubesse de onde ela havia aprendido o enfeite, falavam mal, mas ela nem ligava.

Tem gente que pensava que alguém se perdia só por adornar uma cama.

É só nas camas que as pessoas amam?

- Amaélia se você não gostava de Miguel porque tiveram tantos filhos?

Nunca soube o que estava fazendo, porque era bom e não exigia nem prática nem habilidade, quanto menos culpa e conhecimento, e no meu bairro todas mulheres tinham muitos filhos.

A bisa teve dezesseis, a mãe dela cinco, das vizinhas nenhuma tinha menos de cinco, só a madrinha tinha um e era muito mau falada por isso.

Ela nunca queria ter a fama de madrinha.

Mas a geração de maridos daquela época eram despreparados.

Eles saiam com outras mulheres, bebiam, faziam escândalo, enchia a casa de amigos, faziam serestas, chegavam de madrugada chutando o cachorro.

Uma vez por ano lavava a louça.

E lá na igreja todos diziam que seu Jeremias era exemplo.

Ela suportava, mantinha aquele sorriso engessado à custa de muito álcool ou calmante.

E quantos surtos já teve quando viu seus ideais irem por água abaixo.

Pra salvar aquela canoa furada.

E tome reza, simpatia e choro.

Um dia foi internada em delírio psicótico, ficou quatro dias apática e vigiada falando sozinha.

Após vender uma propriedade, um barraquinho que construíra, que lhe reservaria uma vida tranquila, teve que vender porque Jeremias arranjou briga.

Aí roubaram-lhe o pouco que ela tinha, e ela teve que voltar a morar na casa do pai dele e vender seu barraquinho, sua esperança.

Ao receber, teve que entregar o dinheiro a ele pra saldar dívidas de jogo aconselhada pela irmandade.

Quer dizer, bem medido e bem pesado (amarrou o dinheiro no cabo do viado e soltou no mato).

Quando ela se queixou ele disse.

Volte pra casa de sua família, vendam alguma coisa e...

Ela sabia que ela não tinha mais nada porque a família já a havia alertado.

Entrou em choque com sua própria verdade e realidade.

Se arrependia de fazer sexo com ele.

O sexo é sagrado, e é através dele que a gente vem ao mundo.

Por isso exige responsabilidade e amor.

Era esquisito falar em amor sem crer nele.

Nunca alguém deve prometer um amor que não tem intenção de dar.

Sentimentos dos filhos e filhas dos outros nunca foi brinquedo.

Ela falava em casa tentando justificar o sentimento que tinha pelo pai das crianças.

Falando de nós, seu pai e eu, acho que foi castigo, faltou mesmo informação e responsabilidade, éramos muito jovens.

Fui odiando ele a cada dia que fingia melhorar e não melhorava, a cada vez que o defendi, que o aceitei de volta, que tive carinho por ele .

A cada traição dele eu odiei ainda mais.

A cada vez que me via grávida de vocês e o via gritar na rua que nenhum de vocês seriam filhos dele.

Eu o odiei com a alma.

E ainda não tenho amor por ele, mesmo estando morto, tenho me tratado para perdoá-lo.

Ele quase matou em mim minha possibilidade de amar.

Eu criei ele por dez anos, ouvindo ele dizer que eu era incapaz de progredir na vida.

Precisava aliviar a carga que era ele, mas tinha esperança naquele barco furado.

por esta razão que hoje estamos morando de favor na casa de parentes.

É porque sua mãe comeu o lanche antes da hora da merenda, várias vezes.

Sem usar a camisinha ou o remédio.

E seu pai era um homem que por ter tido um péssimo exemplo, de o que deveria ser uma família, usou sua mãe através do sexo com a permissão dela.

Como um degrau.

Ela era a escada dele, até quando ela abriu os olhos e deixou de ser.

Dois meses se passaram.

A vida agora fluía, e ela agora já havia recuperado parte da autoestima e esperança, a vida caminhava, agora era fazer planos e melhorar.

Pensar em encaminhar as crias pra ter um futuro melhor, uma casa, este era o maior sonho, um lugar onde pudesse exercer sua autonomia, ali ainda quem mandava era sempre sua mãe a Dona Xica.

Naquele ano, duas coisas mudaram no Ataliba, Amaélia se rebelou, a rua de pedra ganhou asfalto.

A obra, toda vez que tinha obra na rua, era a mãe de Amaélia, Dona Xica que dava suporte, emprestava água, eletricidade, deixava guardar ferramentas e até esquentava a marmita da piãozada.

Assim como quando tinha gente morta também era da casa dela que saía água, cadeiras, sombra.

Porque era a primeira casa da rua.

Mas agora na ausência de Dona Maria, Amaélia foi chamada pelo chefe de obra para ver se iria colaborar.

Tudo foi combinado com sucesso e no dia seguinte começava chegar o material para asfaltar a rua 2 que seria batizada de Lucas Alamán.

Nome de um padre que a igreja resolveu homenagear.

O verbo se fez carne e habitou entre nóiz, Deus fez a obra, o vento espalhou o feno.

E Deus ou o diabo juntou.

Não demorou nada, quase nada.

Ainda naquela mesma semana, Amaélia notou que um rapaz da obra olhava muito para sua casa.

Dois olhos, um par de olhos soltos no espaço.

Um par de olhos curiosos, buscavam-lhe a aparição.

Os olhos quase se chocavam.

Se buscavam e se tocavam sem sair do lugar.

Ela tentava fugir, olhar com os olhos da razão.

Só de pensar na possibilidade, dizia não.

Mas a cada segundo suas vistas davam a volta no mundo.

E voltava no mesmo lugar.

E olhavam pra o estranho olhar com o coração.

Seu corpo tremia, sua razão dizia: Amaélia amor não!

Olhar o olhar do outro virou quase que um encanto.

Era um refresco, um gole, uma ilusão.

Uma ilusão, entre o quem sabe.

E um pedido de perdão pra si mesma.

Mas havia pouco menos de dois meses.

Visto Jeremias subir o escadão.

Levantou as mãos pro alto e agradeceu.

Pediu proteção.

E fez uma promessa.

Homem nunca mais, amor NÃO.

Leia: Amaélia - parte 1