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Café com Dona Jacira

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ciclos de reza e demandas que vêm e vão

Ciclos de reza e demandas que vem e vão - Victor Balde
Ciclos de reza e demandas que vem e vão Imagem: Victor Balde

23/05/2021 06h00

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Hoje eu queria sentar e contar só o que foi bom, mas a vida é feita de risos e lágrimas.
Não porque não deva, mas porque eu me olhei no espelho e vi que já estive muito doente de mim mesma e me curei com o tempo.
Eu viajei, de novo.
Desde que me entendi filósofa conversando com um ancestral que morava no pé de feijão, eu decidi que seria aquilo que já estava sendo, uma observadora das coisas.
Ali a mutuca do futuro me ferroou.
Eu fui visitada pelo caminho da minha própria jornada.
Hoje eu queria chorar, mas não consigo.
O recado foi dado a mim, tão direto, porque eu que recebi a ordem direta de um Deus pensante, acreditei que a escola ocidental me ergueria a uma posição que espiritualmente eu já tinha?
Mas, eu não tinha o antídoto das coisas que eu tenho hoje, eu não tinha o escudo da minha defesa.
Hoje eu queria contar uma história comum, mas não existe história comum.
Porque depois de trancos e barrancos, depois de deixar o ocidente jogar sombra no meu saber e apagar o sol de minha existência eu queria que ele me reconhecesse.
Ledo engano.
Hoje eu poderia mentir, dizer só o que as pessoas querem ler, mas eu nem sei o que elas querem.
Porque depois de alisar o cabelo, maquiar a cara de pó de arroz, depois de assistir Dona Benta passada pra trás naquele sítio.
De ver bonecas de pano e sabugo que são saberes infantis serem reproduzidos por um marmanjo racista e machista.
Depois de toda esta lavagem cerebral eu ainda queria adentrar multinacionais hegemônicas contando apenas com a minha ingenuidade de menina prodígio que conhecia uma pessoa má pelo olhar.
Mas desconhecia que estrutura, ela não tem cara.
O racismo estrutural tem tentáculos, são braços erguidos prontos pra atingir qualquer ser não branco que bambeie ao seu redor.
Hoje eu até poderia e vou contar mais uma passagem da minha vida, aqui no meu país Ataliba com idas e vindas.
Porque depois de muitas ciladas, eu voltei pra casa e reconheci daqui a distância onde estava o meu erro, eu acreditei.
Que a Disney salva.
Que o papai noel é pai de todo mundo.
Que casar era uma saída.
Que nunca chorar era ser forte.
Que apesar da minha dor, sempre tem uma dor que dói mais que a minha.
Que no fim tudo acaba bem.
Que o povo é bom e o governo só quer o bem do povo.
Que o estudo faz a gente descobrir outros horizontes.
Até o dia que o Orixá que habita dentro de mim disse:
- Pare de procurar longe, eu estou dentro de você ao seu redor.

Ai eu chorei,
Eu descobri o horizonte ao qual eu pertenço e chorei.
Chorei porque voltei ao tempo em que este horizonte falou comigo.
A voz de dentro de mim me convidou a andar com ela, acreditar nela, a ouvir ela, ela estava comigo.
Mas como eu poderia crer em algo que só eu ouvia e sentia e era uma sombra, coisa que ninguém acreditava.
Até nas casas de nossas sacerdotisas ninguém falava sobre elas.
Porque ninguém fala com o sobrenatural da gente, quando a gente é infante?
Porque só os adultos podem acessar o imaginário sem ter que tomar remédio pra dormir.
Ou passar a tomar a partir de como se só existisse ou pudesse existir o mundo palpável.
Aquele que tem um Deus apenas, e entra em todas as grandes empresas, e não gosta nem de mulheres, nem de gente não branca, nem de pessoas diferentes por quê?

Entre o ser e o estar havia um corredor que mata pessoas como eu e ali eu só passaria se minha astúcia fosse mais aguçada, eu deveria saber que ali naquela escola eu seria adulterada.
De sorte que me expulsaram dela, em cinco anos eu lavei banheiros e fugi dela, ela nada tinha que eu precisasse.
Mas era ligada a este Deus castrador e ao sistema de emprego que, mais cedo ou mais tarde, eu teria que pedir bença pra entrar.
Mas tarde eu tive que voltar a essa mesma escola, um pouco fortalecida, porque eu precisava de um papel que só ela dava, era a parceria dela com seu império destruidor.
Eu chorei de verdade quando vi que não havia outra saída.
Sofri um castigo, fui obrigada a colocar meus filhos e filhas na mesma escola castradora, de sorte que abri bem os olhos pra todo sinal que chegava em casa em forma de alienação e humilhação.
Eu conhecia todas as armadilhas dela, e quem tem que desfazer armadilhas são os adultos, as crianças precisam ser protegidas deste sistema, e aí eu perdi a conta de quantas vezes eu derramei rios de lágrimas.
Hoje eu aqui, formada, em desenvolvimento humano pela escola da vida, colho os frutos da minha própria rebeldia.
Como fosse um par, que nessa valsa triste se desenvolvesse ao som...como aprendo com Oswaldo Montenegro nesta canção.
Ah, se não fosse estes recados musicais que o vento traz.
Eu ouvi esta música no sofá da sala, num domingo, no Fantástico, este mesmo que naquele tempo trazia notícias sobre a transamazônica sobre selvagens que comiam pobres trabalhadores e cuspiam seus chapéus de plástico.
Aqui do Ataliba eu pensava o que seria o plástico e já estava diante dele, que também dava conta de um povo que tinha formas e jeitos que eram diferentes da gente, só não dizia que eram gente negra e que estavam sendo massacrados por gente branca.
Passado, passado, passado.
De sorte, que antes de tudo isto vir à tona, eu entendi que só não sucumbi porque não era minha hora e que eu ainda teria muito com o que contribuir.
E pra isto Yansã me carregava, me tirava de encrencas que eu entrava e tentava abrir meu caminho enquanto eu errante, errava.
Eu recebi recados milhares de vezes, por bocas passantes, por vozes do infinito, até as pedras da rua falavam comigo.
Não acreditava, nem queria saber, Sultão da Mata me deu prova de sua existência quando me avisou da morte de Miguel.
Depois me avisou sobre seu próprio cavalo ser mau caráter.
Me salvou das ciladas e da própria morte milhares de vezes.
Uma destas vezes até me deu coragem e eu quase que compreendi, até reagi contra.
Fui à forra, cobrei, mas ainda não era tempo.
Tempo é tempo, tenho que respeitar que até pra chorar tem tempo.
As ruas deste meu bairro, cada bairro desta Avenida Coronel Sezefredo Fagundes é que sabe de mim, muito mais do que eu até.
Aqui vai uma passagem real. que me lembro de como eu era besta mas cheia de coragem.

- VOCE REZOU NAS MINHAS COSTAS, POR ALGO QUE EU NÃO DEVIA! Eu desconjurei, tremi, bambeei, mas não cai como era de seu gosto, como você queria. Depois de todo perrengue estou aqui de pé, pra te mostrar que tua injustiça não teve valia. E olha que meu cavalo é fraco, meu corpo num vale uma armadilha, um sopro é mais do que certo pra me fazer zombaria. Mas sou uma filha do vento que não tem covardia, nem saio do meu terreiro se não for com boa companhia.
O que me salvou foi o vento, o nome da minha mãe e a montaria.
- Vamo resolve a contenda que estou viva e não tenho medo, me diga o que você quer, é melhor viva e de pé que pelas costas em segredo.
Eu estava ali de pé morrendo de medo.

Nunca fui boa de briga, mas de palavra eu entendo, eu sentia as pernas tremer por dentro da calça, mas fingi bem.
Foi este o início de uma quase amizade ou de uma viagem.

Foi bem assim deste jeito, por conta de uma briga de criança, a mulher que eu tinha medo me rezou pelas costas, e eu sou frágil e sentimental, fui tão atingida no âmago que tive uma pneumonia confundida por um médico preguiçoso como sendo portadora do vírus HIV.
Tive a casa toda vasculhada, minha integridade mexida, minha vida revolvida até o fundo.
A assistente social veio em casa pra recolher meus filhos dizendo que eles não poderiam viver mais comigo, que teriam que ser recolhidos a um abrigo.
Tudo isto sem um exame de sangue sequer, só no achômetro, e com a complacência de meu marido que quando ouviu a sigla HIV foi o primeiro a dar certeza de que eu era bem capaz de tê- lo traído e contraído a doença, Evandro tinha dois meses.
Neste hora, minha irmã Miriam pediu licença na loja em que trabalhava e foi ela quem brigou pra que meus filhos não fossem recolhidos como animais.
Igual a carrocinha fazia com os cães todas as terças e quintas aqui na vila.
Eu teria morrido ou enlouquecido se isto tivesse acontecido.
A última gota agora era gritar por alguém que nos ajudasse, e tinha que ser alguém que, rebuscando o baú, viesse até ali por amor.
Foi aí que minha mãe veio de Rancharia.
Eu não fechava os olhos de tanta febre, sem dormir, sem comer, emagrecia a olhos vistos, eu sumia.
E fiquei internada num matadouro aqui perto de casa, o mesmo que diagnosticou minha doença e mandou a funcionária me tomar os filhos, não me deu sequer dipirona.
Eu estava num expurgo com várias pessoas mortas, ouvindo brincadeiras de funcionários insensíveis que disseram pra eu ouvir:
- Nem devemos desperdiçar remédio com moribundas que contraíram doença traindo marido, daqui a pouco já vai prestar contas mesmo.
Um sopro de um Orixá trouxe minha mãe até ali.
Num ímpeto de sorte, minha mãe chegou ali, levada pelo imprestável do meu marido, só ele sabia onde eu estava guardada.
Minha mãe pediu minha alta dali e teve como resposta meu prontuário rasgado.
Ainda naquela tarde fui levada pra um posto de saúde em Tucuruvi.
Mãe brigou pra eu passar no médico, naquele tempo o segurança já atendia a gente com o braço armado em riste, cacetete ao alto pra evitar que alguém pedisse socorro, éramos indigentes e o SUS nem existia.
Mãe precisou ser mais valente ou astuciosa que ele porque ela sabia a importância de conhecer um profissional sério nestes momentos.
A médica me atendeu com respeito, me examinou, entendeu o que estava acontecendo e disse:
- Ainda bem que não te deram nem dipirona, porque poderiam ter sim te contaminado, considere esta negligência a sua salvação.
Eu já saí dali animada e com o remédio que ela tinha na gaveta.
Mãe ainda ficou uns dias até eu poder me cuidar, mas antes de ir me falou:
- Isto não foi doença, foi demanda reza mal feita, alguém tentou contra você.
Mãe é entendida de demanda, mesmo sem ser iniciada, e junto com o tratamento fez pra mim banhos e escalda pés.
Comi muito caldo de pé de frango, canja de carcaça de galinha pra ficar forte, couve batida com gema de ovo, mingau de fubá torrado.
Muita bronca também, e a descrença do infeliz, que era meu marido, o médico estava certo.
Um dia, já curada, eu disse a ele depois de um insulto:
- Pare de me amaldiçoar com esta doença seu imbecil, que eu não tenho isso nem deveria, eu erradamente amei você um dia, mas tudo tem limite, e o dia chegará em que eu vou me vingar de você e neste dia o diabo vai sentar pra assistir.
Aí já era eu de volta, quase curada, lembrando de como eu tinha adoecido.
E este acontecimento foi um divisor de águas na minha vida, onde eu decidi que minha vida com Miguel só piorava, ele era louco ou meu maior inimigo, ali ficou decidido que ele deveria sair.
Mas antes, eu tinha um acerto de contas a fazer, retornar ao local onde recebi o feitiço e devolver a ela.
Encarar uma feiticeira de frente não é fácil, mas desarma ela, enfraquece, porque ela fica diante de alguém que ela tentou derrubar e não conseguiu.
Eu relembrei, eu fui fazer um contato com a mãe de uma criança pra tentarmos resolver uma questão infantil e ela me disse:
- Por mim ela pode até matar a sua filha, quem puder mais chora menos.
Que jeito estranho de uma mãe falar, e eu dei as costas e senti o arrepio na espinha, aí começou toda romaria que eu narrei.
A médica séria disse que o que eu tinha, era um processo inflamatório intenso e já era sabido que eu tenho um nódulo no pulmão, por isso a minha fragilidade foi atacada e atingiu o nódulo.
Do nódulo só mãe sabia, herança de pai.
Eu agora deveria chorar por me dar conta de como sempre fui desobediente, e crédula quando não deveria ser.
Prudência, esta é uma das canções que eu nunca cantava e hoje canto pra sobreviver.

O fato é que desta vez a mulher me tratou com educação, e isso me sensibilizou, me chamou no silêncio e contou sua história, que era muito mais triste que a minha.
Seis filhos, um marido entrevado numa cama e uma família inóspita, morando ali na beira do rio que separava o bairro Fidalgo do Ataliba Leonel.
Pra você que está lendo ter uma idéia, naquele tempo de muitas mortes aqui na nossa região, por várias vezes ela se deparou com um corpo boiando seguro por algum graveto mais forte, e não raro era encontrado por alguma criança que morava por ali, fazia já algum tempo que só dava este tipo de peixe por ali, não se encontrava mais peixe de verdade, nos nossos riachinhos.
Eu deveria ter rodado no calcanhar e voltado, mas desafiei e entrei.
Ela não era estranha, era irmã de uma ex-amiga da escola, que nem faz gosto lembrar.
A história dela me comoveu, e depois disto, ela foi a minha casa, eu achei que foi um bom jeito de aproximar as duas crianças e mostrar que poderiam ser amigas, e pensei que poderia ajudar porque uma criança que leva uma bomba pra escola precisa de cuidado.
As crianças se entenderam, são amigas até hoje, nem lembram mais do fato de como tudo isto começou, esta minha astúcia valeu a pena.

Mas a mulher trouxe pra minha vida uma modernidade que eu não precisava.
Eu ensinei ela a fazer o que eu sabia, sabão, cocada, crochê, bordado, até levei ela à Zona Cerealista pra ver se ela botava uma barraquinha de tempero, mas nada dava certo, ela não levava jeito.
Convidei ela pra voltar a estudar, às vezes, quem sabe, o saber nos salvasse da ruína, também não deu certo.
Já que ela gostava tanto de mudar o cabelo, porque não estudar isso, poderia ser um caminho.

O danado é que minha miga, agora posso falar assim, só era encontrada em botecos, e pra encontrá- la e conversar eu ia até lá.
Eu tentava entendê-la e precisava de uma amiga, eu queria ter uma amiga.
Pra estar ali, acabei me entregando ao devaneio da bebida, um copo hoje, outro amanhã, noutro dia uma bebida, um bombeirinho, por causa da falta de grana e a necessidade de lembrar querendo esquecer.
Eu tenho um pendor pra o alcoolismo, deveria evitar o primeiro gole, eu tentei contra mim e meu ancestral chorou, se afastou, e me acompanhou nessa derrocada.
Um dia ela me convidou pra um trabalho e eu fui salva no meio do caminho, uma outra pessoa me disse:
- Eu vou te contar um segredo sobre o segredo dela, que ela não te contou, que o trabalho dela é se prostituir, estou te contando mas peço segredo.
Atrás deste segredo teria outros mais agravantes.
Como eu pude estar tão perto de alguém tão assim?
Minha mãe me visitou em casa, encontrou ela e se arrepiou, me disse: se livra desta encomenda. Eu não me livrei.
Muitas armadilhas depois, eu já formada, tentando me livrar do álcool, comecei a fazer o caminho de fechar a porta pra esta que eu chamava de amiga, sem nunca ter sido.
Tempos depois, ela me apresentou um namorado, o Miro, que era um velho conhecido meu, eu e Miro, que chamava Zoé, fomos vizinhos e companheiros de brincadeira de rua, ele era neto de Dona Baia.
Ele cresceu e se tornou um negro lindo, digno de filmes destes da tv, mas Miro era casado e frequentava já a casa dela.
Num domingo que combinamos de fazer o almoço juntas, pra lembrar uma grande família, eu desci pra casa dela e Miro estava lá, o marido também.
Esqueci de dizer que ela tentou me empurrar o marido quase moribundo dizendo que ele tinha se enamorado de mim.
Estávamos ajeitando o almoço e alguém bateu palma, lá em cima no portão.
Mãe tem gente chamando.
- Miro meu filho, você tá aí, eu sei, fale comigo.
Era a mãe de Miro, falando já com a cara dentro da casa.
- A sua benção minha mãe.
- Deus, meu pai e meu Orixá é que te abençoam.
- Miro meu filho, eu vim te buscar porque você tem família, esposa, filha e não é justo o que você está fazendo, não criei um filho pra ele abandonar sua própria família como seu pai fez. Você sabe o que é ser abandonado por um pai, né? E eu estou aqui em nome de mim, de sua vó, de suas tias, pra fazer você voltar a razão, pelo amor de tudo o que é sagrado, arrume suas coisas, eu não vim conversar vim te trazer de volta a razão.
Depois veio a pergunta:
- Quem de vocês duas é a namorada de meu filho?
Havia ali dez crianças e três adultos e sobre todos caiu um silêncio brutal, eu fiquei calada, calada estava, calada fiquei, aquela pergunta não era pra mim.
Mas a mãe de Miro era velha conhecida, ex-vizinha, e pra quebrar o silêncio ela me escolheu como namorada dele.
- Jacira, minha filha, eu lembro de você pequenininha brincando na rua com Miro, lembro da festa de seu casamento com Miguel, eu lembro, sei que você é viúva mas meu Miro hoje é casado, tem família e não pode namorar você. Vou conversar com Maria pra gente te ajudar, e você encontrar um companheiro, você é gente da gente, criada tudo junto, você e Miro são quase irmãos. Miro, cadê suas coisas? Arrume e suba, vou te esperar no portão e não quero voltar aqui novamente, sua mulher ficou lá em cima no portão, eu vim aqui porque não quero que ela se humilhe tanto, arrume tudo e suba.
É destas mulheres fortes que nossa periferia é feita, e quem quiser que não obedeça.
Eu estava gelada petrificada, apaguei o fogo da comida e perdi o senso.
Ninguém ali abriu a boca pra desfazer o mal entendido, ninguém.
Na minha cabeça ia se passando só um pedaço da conversa:
- Vou falar com Maria!
Se livra desta amizade!
E quem diria a minha mãe que a amante não era eu e que a amante era aquela mulher que me jogou a mandinga?
Aquela mulher que ela sentiu o arrepio e disse a mim, pra me apartar.
O medo entrou em mim porque uma vez mãe veio de viagem pra me curar, mas eu conheço mãe, desta vez ela me mandaria para o hospital.
Porque estava cansada de me avisar.
E o rosto de minhas crias me vendo passar por aquela vergonha, logo eu que nem namorado tinha, meu rosto queimava, mas mesmo assim eu recolhi o restinho de dignidade que eu tinha, juntei minhas crias e me recolhi à minha insignificância, e foi a última vez que eu fui ali e a entendi como amiga.
Uma lição havia sido entendida, de sorte que a mãe de Zoé, que era muito ocupada, nunca veio e eu nunca soube dizer se foi por causa do meu medo das minhas rezas ou porque o safado confessou a verdade.

Tem lugares que mesmo que a vida e a mãe da gente, tentando nos proteger, nos proíba de ir lá, mesmo assim a gente vai.
E mesmo sabendo a cilada, a gente precisa caminhar por ele porque a vida é um jogo e viver só é possível vivendo.
Mais tarde numa outra cilada eu mesma pude ajudar minha mãe que caia num conto, desta vez com a mãe desta pessoa.
O tempo dá muitas voltas, mas algumas pessoas estão em diversos lugares com as mesmas atitudes.
De tempos em tempos os ciclos se fecham e nos mostram a realidade da proteção lá atrás.

O tempo passou, e eu agora já morando aqui no Cachoeira, recebi uma visita de uma pessoa que fazia portão eletrônico, era uma amiga antiga da primeira escola.
Quanta saudade dela, quanto tempo a gente não se via, em um raio de minutos eu contei minha história ela me contou a dela e dentro da história dela tinha uma história de quase perda do marido pra uma cachorra.
Mas ele havia voltado a razão ai ela disse:
- Amor, venha aqui conhecer uma grande amiga.
Quando o danado saiu do carro, era o safado do Miro, quando ele me viu amarelou, deu com a mão, me cumprimentou e entrou no carro novamente.
Eu senti que ele me reconheceu, que ele lembrou que me devia pelo menos desculpas. Eu voltei aquela tarde triste daquele domingo.
Por um instante, aquela vergonha passada me visitou, depois eu agradeci a graça alcançada ainda naquele dia.
Se naquele dia, a anos atrás, minha amiga tivesse descido, ela teria vivido o mal entendido junto comigo e tudo teria tido um desfecho cruel, muito mais triste.
Dia desses, minha filha encontrou com ela, lá em Itanhaém, ela pediu meu telefone e endereço.
Como se ela não soubesse onde eu moro.
Soube e sei de todas as passagens dela porque as meninas são amigas.
Gostaria que ela estivesse melhor, mas ela também tem que querer, pra dar certo.
Enquanto eu aqui pensava sobre o que ela poderia fazer pra mudar de vida ela me mandou um recado:
- Diga à sua mãe que ela só melhorou de vida porque eu ajudei ela.
Tem muito de verdade aí nessa frase sim, e como tem, me diga com quem andas e eu não ando com você, dá uma sorte danada.
Exú me diz isso todo dia.