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Bianca Santana

Jair Messias Bolsonaro, réu

16.dez.2020 - O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília  - Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
16.dez.2020 - O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília Imagem: Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo

17/12/2020 04h00

Poderia se tratar de um julgamento pela omissão genocida nas mais de 180 mil mortes notificadas por Covid-19 no Brasil, a maior parte delas evitável.

Poderia ainda dizer respeito ao uso indevido da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na produção de documentos para orientar a defesa de seu filho, Flávio Bolsonaro, acusado nas chamadas rachadinhas que envolveriam também a primeira-dama.

Poderia ser um desdobramento das investigações dos 89 mil reais depositados em cheques na conta de Michelle Bolsonaro.

Poderia ser sobre participar e endossar atos contra a democracia e suas instituições, ao pedir o fechamento do Congresso, do Supremo e intervenção militar.

Poderia ser sobre indicar à presidência da Fundação Palmares alguém que contraria as normas legais e constitucionais que regulam a instituição.

Poderia ser ainda sobre alegar fraude nas eleições de 2018, questionando o sistema eleitoral sem qualquer evidência.

Poderia ser por afirmar que a Polícia Federal deve proteger seus amigos e familiares.

Poderia ser pelo racismo contra comunidades quilombolas.

Poderia também ser sobre pedaladas fiscais. Mas este réu do título diz respeito ao processo de uma jornalista negra, acusada falsamente pelo presidente da República de ter publicado "fake news" em um texto que jamais escreveu. Depois de repetir a pergunta sobre o envolvimento da família Bolsonaro no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a partir de evidências amplamente divulgadas pela imprensa, meu nome foi citado em uma live semanal como exemplo de autoria de uma notícia falsa. A sentença determinou "ao réu que se abstenha de imputar à autora a autoria de textos que ela não tenha escrito, bem como para condená-lo ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais". Valor a ser integralmente doado para projetos de busca de verdade e justiça por Marielle.

Oxalá a condenação iniba a continuidade da estratégia amplamente utilizada pelo presidente e seus ministros de atacar, constranger e questionar a credibilidade de jornalistas. É preciso reafirmar que a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão são direitos humanos universais garantidos em nossa Constituição.

Espero que os movimentos sociais organizados sigam firmes na exigência da garantia de direitos e na proteção de defensoras e defensores de direitos humanos como foram a Coalizão Negra por Direitos e a UNEafro Brasil neste caso específico e em tantos outros.

E que as organizações da sociedade civil ofereçam solidariedade e suporte como fizeram, neste caso, a Agência de Notícias Alma Preta, Artigo 19, Casa Neon Cunha, Coalizão Negra por Direitos, Cojira-SP - Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo, Fenaj - Federação Nacional dos Jornalistas, Instituto Marielle Franco, Geledés - Instituto da Mulher Negra, Gênero e Número, IDDH - Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Instituto Vladimir Herzog, Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, Rede Nacional de Proteção a Comunicadores, Repórteres Sem Fronteiras, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, SOF - Sempreviva Organização Feminista e Terra de Direitos.

Se organizar direitinho, a palavra réu estará em outras condenações.

Quem sabe, então, o jogo vire na Câmara e Rodrigo Maia decida abrir a gaveta onde estão, no mínimo, 58 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro