Quer proteger o mar? Ouça quem vive dele

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No último Dia do Pescador, 29 de junho, me perguntaram o que eu achava que seria do mundo se a pesca acabasse.
Eu, que como pouca proteína animal por motivos ambientais, sei bem de onde veio a pergunta — de alguém que esperava que eu dissesse que os problemas do oceano iam acabar junto. Mas isso não é verdade.
Se a pesca industrial parasse — com suas embarcações de dezenas de metros, radares para detectar cardumes e técnicas que matam sem escolher o que está no caminho — o mar ganharia um respiro. Seriam menos redes-fantasmas, menos espécies ameaçadas, menos plástico perdido no alto-mar. E mais chance de recuperação para ecossistemas inteiros.
Mas tratar toda pesca, de grande ou pequena escala, como a mesma coisa é ofensivo — e, ainda sim, quase ninguém faz essa diferenciação. Mais do que uma diferença técnica, é uma questão de justiça ambiental e de não reproduzir um modelo colonizador que ou pensa em lucro, escolhendo "áreas para sacrifício", ou pensa em salvar a natureza simplesmente excluindo quem sempre viveu nela.
Não precisa ir muito longe: há algumas décadas, várias unidades de conservação foram implantadas no litoral brasileiro com a intenção de proteger a biodiversidade. Muitas delas, porém, ignoraram o óbvio — que já existiam comunidades tradicionais ali, pescando, cuidando e cultivando uma relação íntima com o território. Comunidades que de repente foram ordenadas a deixar suas casas.
Nesse sentido, imaginar o fim da pesca artesanal não é só imaginar o fim de uma atividade econômica — é imaginar o fim de um modo de vida. Seria apagar culturas inteiras, que já vêm sendo ameaçadas há décadas, aos poucos, em silêncio.
São essas pessoas que enxergam mares e rios não como recurso, mas como extensão de seu modo de ser. E são elas que denunciam manchas de óleo, percebem o sumiço de espécies, observam a mudança nas correntes - bem antes de qualquer modelo de satélite.
Essa forma de existir no litoral é herança de um Brasil profundo, muitas vezes invisibilizado. E que, apesar de tudo, segue sendo a linha de frente da defesa do litoral e do oceano. Sem essas comunidades, não há conservação real. E, definitivamente, não há justiça ambiental.
Se a oposição à pesca exploratória for a simples proibição da pesca em qualquer forma, não fugimos muito do colonialismo que nos trouxe até aqui: que determina o que é certo ou errado e ignora os caminhos ancestrais que estavam ali.
No mundo, 90% dos trabalhadores da pesca são de pequena escala — e, em países como o Brasil, eles ainda são os principais responsáveis por fazerem o pescado chegar ao seu prato, assim como é a agricultura familiar que garante o hortifruti.
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