Beatriz Mattiuzzo

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Opinião

Sabotagem e espionagem: geopolítica ameaça cabos submarinos de internet

Nas ciências do mar, gostamos de dizer que o oceano conecta a todos. Poderia ser apenas um jargão bonito, já que o mar não tem fronteiras e realmente liga todo o planeta. Mas, em tempos de big techs, é importante lembrar que o oceano realmente nos conecta - e não só poeticamente.

Mais de 95% da internet mundial depende de cabos de fibra óptica que atravessam os oceanos. Enquanto ficamos hipnotizados pelos avanços da inteligência artificial, pelos algoritmos ultrassofisticados e pelas promessas de um futuro cada vez mais digital, pouca gente se dá conta de que tudo isso ainda depende de um emaranhado bastante analógico de cabos submarinos. São cerca de 500 cabos, alguns com mais de 20 mil quilômetros de extensão, cruzando oceanos inteiros ou ligando países vizinhos.

Mesmo opções de internet por satélite, como a Starlink, embora operem principalmente através de satélites em órbita terrestre baixa, ainda dependem, em grande parte, dos cabos submarinos para a transmissão de dados entre continentes.

A ideia de cabos conectando os continentes vem desde o século 19 e, no geral, tem se mostrado muito eficiente. Normalmente, os cabos são enterrados a cerca de 1 metro de profundidade no leito marinho para proteção. Eventos como terremotos submarinos, deslizamentos de terra e tempestades podem causar rupturas ou deslocamentos, mas, segundo o International Cable Protection Committee (sim, isso existe!), há, em média, apenas 150 a 200 danos anuais às estruturas.

A maior parte desses danos, no entanto, vem da atividade humana: âncoras mal posicionadas e redes de pesca de arrasto frequentemente danificam os cabos. No passado, também houve registros de tubarões mordendo as fibras ópticas - o que faz sentido, já que esses animais são atraídos por pulsos eletromagnéticos. Felizmente, nas últimas décadas, os cabos passaram a ser revestidos com kevlar, o que resolveu esse problema.

Com o crescente alinhamento entre interesses corporativos e geopolítica global, a preocupação agora é outra: sabotagem e espionagem internacional.

Hoje, cortar um cabo não vai desconectar um país inteiro - existem diversas rotas alternativas. Mas ainda assim, é um problema significativo e pode causar um impacto econômico e estratégico relevante. Em 2022, por exemplo, um cabo submarino essencial para a conectividade da ilha de Bornholm, na Dinamarca, foi misteriosamente danificado. A princípio, parecia apenas mais um acidente marítimo, mas investigações posteriores levantaram suspeitas de sabotagem. O episódio aconteceu em meio a tensões geopolíticas no mar Báltico, onde a infraestrutura submarina - tanto de comunicação quanto de energia - passou a ser vista como um alvo estratégico.

E aqui entra uma ironia: enquanto ouvimos CEOs das big techs venderem a ideia de um futuro digital descentralizado e acessível para todos, esses mesmos gigantes da tecnologia estão correndo para garantir o controle sobre esses cabos. Google, Meta, Microsoft e Amazon já investem bilhões na construção e propriedade de suas próprias rotas submarinas - porque, no final das contas, quem controla os cabos controla o jogo.

O fato é que, embora a internet pareça uma entidade abstrata e etérea, no fundo (bem no fundo mesmo, literalmente), ela ainda depende de quilômetros de fibra óptica enterrados no leito oceânico, sujeitos a ancoragens descuidadas, terremotos e, claro, às disputas de poder do século 21. Sim, o oceano nos conecta - mas quem vai segurar os fios?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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