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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, foi ao Complexo da Maré

Frances Haugen durante depoimento ao Congresso dos EUA, em outubro de 2021 - Drew Angerer/Reuters
Frances Haugen durante depoimento ao Congresso dos EUA, em outubro de 2021 Imagem: Drew Angerer/Reuters

18/07/2022 06h00

Para quem não lembra, Frances Haugen trabalhou como engenheira de dados do Facebook e denunciou como a política da empresa prejudica crianças e enfraquece democracias em torno do mundo, violando, assim, diversos direitos humanos. O Instituto Marielle Franco foi convidado pelas organizações Luminate e Desinformante para realizar uma agenda com ela aqui no Rio de Janeiro.

A importância da presença da delatora do Facebook aqui no país logo nos tocou em relação à importância de construir um diálogo coletivo com ela sobre a perspectiva interseccional de debater segurança digital, garantia do combate à desinformação e sua influência nas populações negras e periféricas e em democracias de países do Sul Global.

A gente sabe que os impactos desses problemas para territórios favelados e de periferia são imensos e diversos e, por isso, convidamos as organizações Instituto da Hora, Data Labe, Lab Jaca e Observatório de Favelas para esse encontro na Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, maior complexo de favelas da cidade.

Frances - Douglas Lopes - Douglas Lopes
Frances Haugen em visita a favela da Maré
Imagem: Douglas Lopes

Violência política, reconhecimento facial, emancipação digital, protagonismo das pessoas negras e contranarrativas tecnológicas foram alguns dos temas sobre os quais trocamos neste encontro com Frances Haugen e essas organizações que desenvolvem trabalhos extremamente necessários.

Para nós, do Instituto Marielle Franco, a desinformação e discurso de ódio contra mulheres negras políticas são, na verdade, formas de violência política de gênero e raça, a qual, embora ocorra nos meios digitais, está intimamente ligada a ataques que ocorrem fora do mundo virtual.

Lembrando que o fenômeno da violência política e gênero e raça no Brasil é histórico e estrutura as bases de formação do país, o qual vive, atualmente, um contexto de militarização, ultraconservadorismo, negacionismo e ascensão ao poder de uma retórica calcada na morte e na eliminação do outro.

Não posso deixar de pontuar que fora das capitais e nos estados do norte e nordeste do país, as violências políticas contam ainda com menos destaque no âmbito nacional. Desde a noite quando minha irmã foi brutalmente assassinada, a nossa família foi atingida por inúmeras fake news contra Mari, o que, com certeza, para nós, era como se fosse uma segunda morte.

De lá para cá, temos nos deparado com muitos conteúdos do Facebook que contêm discurso de ódio ou informações falsas contra Marielle. Apesar do entendimento no senso comum de que conteúdos como esses estão abrangidos pela liberdade de expressão, na verdade, violações a direitos humanos, como publicações com teores nitidamente racistas, misóginas e que imputam crimes sabidamente falsos não estão abarcados pela liberdade de expressão e se constituem como violência política de gênero e raça virtual.

O pesquisador Adilson Moreira aborda o tema do racismo recreativo, isto é, aquele racismo revestido de "humor", e há muito conteúdo considerado "piada" sobre Marielle no Facebook, mas que, na verdade, como dito, associam falsamente Mari a criminalidade, violam a honra, são de baixo calão, racistas, misóginos e humilhantes.

Sabemos também que o Facebook faz com que as perspectivas político-culturais de todas as pessoas sejam amplificadas, usando escolhas algorítmicas, ou seja, a lógica de recomendações do Facebook pode levar o usuário a participar de grupos e comunidades mais radicais sobre sua própria opinião.

Assim, observamos aqui no Brasil as redes sociais auxiliarem na reprodução de discurso de ódio, os quais encontram eco, inclusive, nas falas de políticos conservadores populistas, que mobilizam esses discursos de morte para fins eleitoreiros.

É preciso avançarmos no entendimento de que as plataformas digitais são responsáveis por fomentar atos de violência política contra mulheres negras quando tais empresas não apresentam alternativas de encaminhamento de denúncias, quando associam discurso de ódio à liberdade de expressão e quando usam o lucro como chave estratégica para permitir que grupos extremistas se organizem para atingir populações negras, faveladas e periféricas.