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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

13 de maio não é dia de negro

Memorial às vítimas da chacina do Jacarezinho, que completou um ano em 6 de maio, foi destruído poucos dias depois - Arquivo pessoal
Memorial às vítimas da chacina do Jacarezinho, que completou um ano em 6 de maio, foi destruído poucos dias depois Imagem: Arquivo pessoal

16/05/2022 12h20

Mais um 13 de maio se passou e, com ele, a lembrança sobre a disputa das nossas memórias. Na escola, a gente aprendeu a narrativa da branquitude salvadora de que, no dia 13 de maio de 1888, há apenas 134 anos, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea que libertou os escravos. Mas sabemos que a resistência negra foi imprescindível para esse processo: quilombos e rebeliões fazem parte disso. Após 134 anos desse dia que marca a pretensa abolição da escravatura, desejo que a gente reflita sobre como, muitas vezes, nos é contada a história dos opressores.

E, como bem observou Paulo Freire, a educação tem um papel muito importante na construção de um olhar crítico sobre a sociedade em que a gente vive. Mas a educação também pode ser utilizada para nos contar a versão dos opressores. E isso serve não apenas para a educação escolar, mas também para os diversos monumentos que vemos pelas cidades do Brasil e que homenageiam pessoas escravocratas ou torturadores, enquanto as narrativas de quem sofreu e lutou pela democracia e pela justiça racial são negligenciadas.

Nos últimos dias, acompanhamos mais um caso de violência política virtual, desta vez, através de desinformação e fake news, na tentativa de interromper a atuação política da vereadora Dani Portela na luta pelos direitos humanos em Recife, Pernambuco. Dani apresentou dois Projetos de Lei sobre a proibição de homenagens a violadores de direitos humanos, à escravidão, a participantes do movimento eugenista brasileiro e a pessoas que tenham sido condenadas com sentenças transitadas em julgado pela prática de exploração do trabalho escravo, racismo ou injúria racial. Ela também propôs um requerimento de remoção do busto do ditador Humberto Castelo Branco e foi atacada com uma série de notícias falsas e xingamentos, conforme denunciamos nas redes sociais do Instituto Marielle Franco.

Por todo o Brasil, muitas mulheres negras lutam por nossa memória e propõem projetos semelhantes, alguns deles que fazem parte da Agenda Marielle Franco, e isso me enche de esperança. Remover monumentos que homenageiam escravocratas ou ditadores não é apagar a história, mas sim promover a memória para nosso povo.

Iniciei este texto falando sobre educação e luta por memória e queria compartilhar com vocês que também fiquei muito feliz ao saber que a escola da minha filha Mariah iria trabalhar com um livro da grande bell hooks. É urgente que as escolas do Brasil inteiro adotem uma perspectiva comprometida com o combate ao racismo, com o direito à memória do povo negro! É preciso ensinar a nossas crianças que 13 de Maio não é dia de negro, mas sim da falsa abolição. De lá até aqui o povo negro foi explorado e oprimido de formas diversas, sem nunca ter direito a uma real reparação por conta desse período nefasto, e tão recente, da nossa história. Uma das principais demonstrações dessa herança colonial é a sub-representação de pessoas negras, em especial de mulheres pretas, na política. Mas não só.

No último dia 6 de maio, completou um ano da chacina do Jacarezinho, que deixou 28 pessoas mortas e que escancara mais uma vez a continuidade do projeto de genocídio antinegro que ocorre desde o sequestro de pessoas em África. Não podemos esquecer que esta chacina ocorreu enquanto vigorava a decisão do STF que proibia operações policiais em favelas do RJ durante o período da pandemia de Covid-19. Este ano, no marco de 1 ano da chacina, aconteceu a inauguração de um memorial que lembra as vítimas. Porém, menos de uma semana depois, em 11 de maio, o memorial foi destruído pela polícia.

Diante de tudo isso, resistimos, lutando por nossa memória e reparação. Na última quinta (12), eu, outras lideranças da Coalizão Negra Por Direitos e dos movimentos Mães de Maio, Mães de Manguinhos e Mães da Maré, fomos ao STF em Brasília denunciar o genocídio negro. A bancada negra no Congresso, em parceria com a Coalizão, protocolou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, chamada ADPF, Pelas Vidas Negras, que pede aos ministros o reconhecimento e atuação para sanar as graves lesões de direitos à população negra praticadas pelo Estado brasileiro, que culminam em uma contínua política de morte ao povo negro.

Lutar por justiça e memória é o que o movimento negro no Brasil e no mundo inteiro vem fazendo: lutamos por memória para não vermos nossos algozes sendo tratados como heróis, eternizados em estátuas pelas cidades, eternizados nos livros didáticos como heróis que ensinam que a princesa Isabel libertou os escravos. Lutamos pela memória de Marielle Franco, que até hoje é alvo de calúnias e injúrias. Lutamos pela memória das pessoas vítimas da violência letal do Estado. Lutamos para que mais mulheres negras ocupem a política, porque sabemos que elas estão prontas! Lutamos em diversas trincheiras na esperança de construir um mundo livre de racismo e machismo!