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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que precisamos de mais mães na política?

Anielle Franco e suas filhas - Arquivo pessoal
Anielle Franco e suas filhas Imagem: Arquivo pessoal

09/05/2022 11h41

Apesar do segundo domingo de maio ser principalmente uma data comercial, ela é repleta de sentido e reflexões sobre o direito e a importância do exercício da maternagem para nós mães, cis e trans, de diversas e múltiplas estruturas de família, que impulsionamos o imaginário coletivo de transformação a partir do acolhimento, da radicalidade, do processo de crescimento e defesa do bem viver coletivo. Neste espaço da coluna, escolhi abordar sobre o dia das mães através do exercício político de mulheres que vêm ocupando parlamentos, bancadas, posições de poder e se dividem em mil para garantir seus próprios direitos de serem mães e trabalhadoras.

Na última segunda, recebi um vídeo de meu companheiro que me encheu o peito de alegria e emoção. Minhas filhas, que me viam participar do último programa do Roda Viva (TV Cultura), pulavam em frente à TV celebrando minha fala, o espaço que eu ocupava, e — apesar de não entenderem bem o que significa — no fundo estavam celebrando a mãe delas ali, ocupando um lugar que historicamente nunca foi nosso por direito. Para avançar na política de permanência de mulheres em espaços de poder, temos o desafio de produzir também as condições para que eu e tantas outras mães possamos seguir tranquilas nosso caminho de construção sem abdicar do exercício precioso da maternidade.

Vale ressaltar que no Brasil, 11,6 milhões de famílias são chefiadas por mulheres, segundo o IBGE. E que 56,9% dessas famílias com filhos vivem hoje abaixo da linha da pobreza. Ser mãe e ativista política nesse país é um desafio cotidiano, e isso nos impõe a necessidade de entender que nossa condição precisa estar sim representada no espaço do parlamento. Porque assim como compreendemos que mulheres negras precisam estar em espaços de poder para termos políticas públicas qualificadas para este grupo demográfico, as mulheres que são mães também precisam estar representadas nesse espaço.

E o impacto da ausência desse grupo em casas legislativas é algo visível. Um episódio representativo sobre isso é que, apenas em setembro de 2021, a licença-maternidade, um direito de trabalhadoras, deixou de ser considerada como "falta" na Câmara dos Deputados e passou a ser inserida nos painéis de votação. Isso só aconteceu pela ação de deputadas como Taliria Petrone, Áurea Carolina, Samia Bonfim, todas de partidos de esquerda e que passaram por constrangimentos públicos em ter que justificar suas ausências em votações, mesmo quando estavam de licença-maternidade. Como isso é possível? Ter visibilizado esse direito só em 2021! Ter mulheres mães na política significa combater estes absurdos.

Em entrevista ao portal Brasil de Fato, em 2019, a atual deputada federal Benedita da Silva disse que "não quero que meus filhos, nenhuma criança, tenham uma vida tão cruel como foi a minha. Quando se está na política você se sente mais responsável de lutar pelas crianças e mulheres, porque a gente sabe o que é ser mãe solteira". A noção de produção de mudança a partir da vivência e desafios de exercer a maternidade em um país tão desigual, racista, transfóbico e misógino é o que nos alça a patamares diferentes de visão de futuro nesse país.

Então, precisamos de mais mulheres mães na política porque as mulheres que são mães já perderam demais, já se constrangeram demais. Elas não podem mais ser afastadas de espaços de tomada de decisão, não podem mais esperar por homens ou mesmo mulheres não comprometidas com o direito das mães solo, das famílias com duas mães, de famílias com mães trans, enfim, com o direito à família em toda sua complexidade e diversidade, com o direito das crianças serem crianças e poderem acompanhar suas mães sem que isso seja um grande acontecimento.