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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em 2021 fizemos o impossível se tornar realidade

Getty Images
Imagem: Getty Images

27/12/2021 11h40

O ano está chegando ao fim e, com ele, também está chegando ao fim o segundo ano de pandemia da covid-19, o ano em que enfim foi descoberta a vacina para a doença que tanto nos tirou. Chega ao fim o segundo ano em que estou à frente integralmente do Instituto Marielle Franco e o primeiro ano em que sou mãe de Eloah, minha filha mais nova. Às vezes parece que, desde 2018, não tem um fim de ano que minha sensação principal não seja um "Que ano difícil! Não sei como consegui!". Neste ano, essa sensação não foi uma exclusividade minha.

Desde janeiro de 2021 muitos acontecimentos atravessaram as vidas de milhares de famílias em todo o mundo. Tivemos recordes de casos de covid-19 e de mortes pela doença, vimos de perto o impacto de um governo descomprometido com sua população, como no caso da falta de oxigênio em Manaus, da ausência de leitos em todos os estados, e do atraso para a compra das vacinas e o início da vacinação em todo o país. Vimos a fome e o desemprego se agravarem nesse período, pessoas que perderam a esperança de ter uma vida digna, e que em alguns momentos, graças a laços de solidariedade, conseguiram ir retomando suas vidas aos poucos.

Nesses meses eu, minha família e toda a equipe do Instituto Marielle Franco trabalhamos incansavelmente na denúncia de casos de violações de direitos praticado pelo Estado, no enfrentamento à pandemia da covid-19 em territórios de periferia e favelas e na construção de novos olhares para nossa realidade e história, na construção de esperança. E eu tenho um orgulho imenso em dizer que conseguimos.

Mesmo em meio à desesperança e inúmeros desafios, me sinto grata e vitoriosa de ter conseguido, junto da minha família e rede de apoio, realizar tantas coisas neste ano. Parte dessas ações foram reunidas na retrospectiva do Instituto Marielle Franco e que todos podem acessar neste link. Apesar de uma retrospectiva capaz de tirar o fôlego com tantas ações e projetos, muitas das coisas que vivi e aprendi neste ano aconteceram a partir da minha própria vivência diária como mulher, mãe, filha e ativista.

Entre os desafios e aprendizados deste ano estão a necessidade de exercer o cuidado coletivo, ou melhor, ter o autocuidado e o cuidado com os outros como centro de nossas relações e da nossa experiência de vida. Ouvir minha necessidade de parar, de olhar com mais atenção para as minhas relações, de entender que somos todos seres humanos limitados e que para evoluirmos como pessoas, precisamos estar verdadeiramente abertos a recalcular rotas, rever planos e então conseguir seguir em nosso caminho com aquilo que importa e é essencial.

Posso dizer que neste ano amadureci e cresci mais do que em qualquer outro, porque consegui ser mais generosa comigo mesma, ao mesmo tempo que me desafiava a ser minha melhor versão. Defendi um mestrado, estive a frente de uma organização de direitos humanos em meio à maior crise social-político-sanitária de todos os tempos, ensinei e aprendi, compartilhei dores e alegrias, e realizei sonhos, como foi minha participação no programa Roda Viva onde falei sobre o legado das mulheres negras para o Brasil e os desafios que nos aguardam no próximo ano.

O ano de 2021 mostrou que nós, mulheres negras, defensoras de direitos humanos, mães, de favela... nós, que sempre estivemos à margem dos lugares de decisão de nossa sociedade, somos capazes de fazer o impossível para garantir nossos direitos, para garantir nossa vida e a daqueles que amamos.

Termino minha última coluna do ano com a certeza que só quem viveu e venceu grandes desafios pode ter, com a esperança e a certeza de dias melhores para todas e todos nós e da retomada de nosso país pelas mãos de mulheres negras que assim como eu, fizeram o impossível este ano e estão prontas para no próximo ano fazer ainda mais.