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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Precisamos escutar vozes negras todos os dias, todos os meses

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Imagem: iStock

01/11/2021 12h35

Iniciamos hoje o novembro negro e, com ele, uma série de mobilizações. Existem muitos motivos que justificam a necessidade da discussão proposta pelo feriado do dia 20 ser estendida por muitos dias além dele, para além de demarcar uma resistência à crueldade histórica realizada com o povo negro.

Em certa medida, a conversa com vocês agora poderia ter um tom mais agradável, porque é um avanço que a discussão da consciência negra assuma a agenda de um mês inteiro. É positivo que isso não fique condensado em apenas um dia, e essa pauta venha à tona com mais força em diversos espaços de formação de opinião além das escolas. É importante que coletivos e movimentos tenham alargado e aprofundado o escopo dessa questão.

Ainda assim, meu sentimento é de que precisamos ser mais ouvidas, e que a conscientização precisa ser ainda mais difundida. Nossa capacidade de resistência é colocada em jogo todos os dias. Já mostramos que, mesmo a partir de datas que simbolizam uma perda, encontramos um modo de ampliar a nossa luta. Lembro do meu querido amigo Emicida nessas horas, quando ele diz "permita que eu fale e não as minhas cicatrizes". Essa é a sensação com que inicio o mês de novembro: fazendo reverência a todas as pessoas negras que vieram antes de nós e também com a inquietação de que é necessário podermos falar de outros assuntos em todos os meses do ano.

Percebo, até hoje, rodas de conversas, congressos profissionais e acadêmicos que justificam a ausência de pessoas negras em determinados debates por uma suposta falta de profissionais na área. Isso nunca foi de fato pertinente e a cada dia se consolida como uma falácia frágil para nos culpabilizar pela falta de conhecimento de outros grupos nas nossas capacidades. Enquanto insistirem em chamar pessoas negras apenas para falar sobre racismo, sobre nossas dores e nossos lutos, a manutenção desse nosso lugar na sociedade é feita. Ao mesmo tempo que a branquitude continua se esquivando de se aprofundar no debate antirracista.

Acredito ser importante falar sobre isso agora, não porque me esquivo de participar das atividades desse mês. Pelo contrário, olhamos com carinho e atenção todos os convites que recebemos e buscamos somar sempre que possível, pois compreendemos que essa luta é coletiva. Entendemos que existe a necessidade de falar sobre tudo, inclusive a cada semana apresento vocês com histórias que nós precisamos olhar e cuidar. É por estar constantemente diante de temas tão densos e tão fortes, que cobram de nós uma resiliência quase romântica, que reforço aqui, para minhas leitoras e leitores, a necessidade de ficarmos atentas e abertas para convidar pessoas negras para falarem além das suas cicatrizes. Não se limitem às datas separadas pelo calendário para isso. Digo com tranquilidade que, independente do tema a ser abordado, em qualquer evento que seja, existe uma pessoa preta que já está pronta para falar sobre isso. Mas é fundamental que o convite aconteça e que essas profissionais sejam ouvidas não só no mês de novembro.