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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O trabalho reprodutivo e a sobrecarga de mulheres mães

Ingrid Barros
Imagem: Ingrid Barros

16/08/2021 06h00

Nesta semana em que falamos sobre trabalho, retomo um tema já abordado na minha coluna anteriormente sobre as triplas jornadas de trabalho exercidas por mulheres que são mães. Agora, falo do trabalho invisível exercido por nós em um contexto de pandemia e distanciamento social onde se quer temos mais a possibilidade de distanciamento do ambiente doméstico para dedicação à vida profissional.

Como diretora de uma organização de direitos humanos, durante a pandemia de covid-19 as demandas relacionadas a violações, bem como a garantia de direitos básicos fundamentais aumentaram. Dessa forma, o trabalho de organizações da sociedade civil relativos a cobrança desses direitos e articulação junto a órgãos de estado para sua efetivação aumentou.

Nessa dinâmica, o trabalho que antes era desenvolvido "na rua", longe do ambiente familiar, passou a ser feito, por parte dos profissionais, de casa. E essa foi minha situação. Cuidar de duas crianças, sendo uma com um ano recém-completado, concluir um mestrado, cuidar da minha família e dirigir uma organização, tudo isso em um contexto de isolamento, sem dúvida trouxe novos desenhos para meu dia a dia.

O trabalho reprodutivo desenvolvido por mim, ao cuidar da casa, das filhas e da minha família, ainda que seja feito com apoio de meu companheiro, sem dúvida é sub-reconhecido. Afinal, em que pese esse trabalho seja primordial para o funcionamento adequado de todas as outras dimensões da vida da minha família, da minha casa, do meu trabalho e do meu marido, o mesmo parece ser invisível e portanto algo que está dado. A casa simplesmente está arrumada, as crianças simplesmente estão alimentadas, a água do cachorro foi posta e tudo está em ordem. Simplesmente. Mas as coisas e, em especial, o trabalho exercido por nós, mulheres, não é tão simples assim, pelo contrário.

Recentemente participei de um evento presencial representando minha organização. Apesar de ter combinado com meu companheiro o tempo que estaria fora e o momento que eu voltaria, precisei me antecipar em meu compromisso pois em dado momento minha filha mais nova estava demandando por mim. Apesar disso não ser necessariamente um problema, afinal, crianças têm demandas fisiológicas que decidi atender em esquema de livre demanda até depois do primeiro ano de vida, no caso, a amamentação.

Mas, fiquei pensando em quantas vezes eu deixei de comparecer a um compromisso de trabalho, ou aula de mestrado ou mesmo deixei de aceitar convites por ter que não apenas me dedicar às minhas filhas, mas a todo um cuidado da casa, relacionamentos e família, de forma totalmente desigual a por exemplo meus companheiros na época.

Ao falar da importância de mulheres negras em espaços de poder e espaços de representação política, não posso deixar de pensar no desafio e nas inúmeras violências que as mulheres sofrem. Ser perguntada se pretende ter filhos em uma entrevista de mestrado ou doutorado, ser questionada se já tem filhos, ter que sair de uma aula para dar conta de suas crianças, deixar de ir a um evento por não ter com quem deixar os filhos. São inúmeros os exemplos relacionados à exclusão da mulher do espaço público e a perda de oportunidades por termos filhas e filhos ou termos de atender outras demandas relacionadas ao cuidado.

É necessário, ao falarmos de trabalho, pensarmos também a exclusão ou limitação a qual mulheres são impostas por exercerem seu trabalho reprodutivo. É necessário reconhecermos a importância desse trabalho para o funcionamento de toda coletividade e mais que isso, caracterizar esse trabalho como algo essencial. Para além disso, pensar e discutir estratégias para não sobrecarregar ou remunerar mulheres que se dedicam a esse trabalho é um passo fundamental para a superação de desigualdades de gênero, ou pelo menos reconhecimento das mesmas no conjunto de nossa sociedade.

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