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Anielle Franco

Um luta incansável

Enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, é a primeira brasileira a receber dose da vacina Coronavac - Governo do Estado de São Paulo / Divulgação
Enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, é a primeira brasileira a receber dose da vacina Coronavac Imagem: Governo do Estado de São Paulo / Divulgação

25/01/2021 04h00

Desde que escrevi minha última coluna, muitas coisas aconteceram em nosso país. Sem dúvidas, a mais importante foi o início da vacinação contra a Covid-19 em vários estados do Brasil. Em que pese que o momento ainda seja de incerteza, seja pela ineficiência do poder público em garantir insumos básicos para estados e municípios, como acontece nos últimos dias em Manaus, seja pela confusão e mudanças recorrentes sobre como se desenvolverá o plano de vacinação em todo território nacional, sabemos que o início da vacinação fez com que em muitos profissionais de saúde da linha de frente do combate à pandemia da Covid-19, que desde março de 2020 estão salvando milhares de vidas, finalmente começarão a ver uma luz no fim desse longo túnel chamado Covid-19.

E é sobre essas trabalhadoras e trabalhadores que quero falar hoje. No último domingo (17), foi impossível não se emocionar com a imagem e a fala da primeira brasileira a ser vacinada no país: a enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo, Mônica Calazans. Mônica faz parte do grupo de profissionais de saúde mais afetados durante a pandemia, as mulheres negras. Esse é o maior grupo de profissionais de saúde presentes principalmente na categoria da enfermagem e que, infelizmente, ao longo desta pandemia, não contou com todo o auxílio e apoio necessários para o desenvolvimento seguros do seu trabalho.

Ao assistir a enfermeira Mônica se vacinando, foi impossível não pensar em todos esses meses e em todas as pessoas que adoeceram, perderam entes queridos, se afastaram de familiares e perderam suas vidas para esse vírus impiedoso. Em nossa família, meu pai, e de Marielle, Antônio Francisco, chegou a ficar 16 dias internado no Hospital Ronaldo Gazolla, da rede pública de saúde do município do Rio de Janeiro, até que finalmente pudesse retornar para nós com saúde.

Sabemos que essa foi a realidade de milhares de famílias em todo o Brasil, e também que nem todos tiveram a mesma sorte que nós, de poder reencontrar seus entes queridos. Por isso mesmo, o início da vacinação foi tão emocionante, no fim, só conseguia pensar em quantas milhares de famílias a partir daquele dia seriam poupadas do sofrimento de ver uma pessoa que ama sofrendo em uma cama de hospital, sem ter certeza que poderá vê-lo novamente.

A população negra no Brasil compõem a maior parte do grupo de usuários exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS), que são aqueles que não possuem plano de saúde e dependem exclusivamente do SUS para atender suas necessidades em saúde. Sendo esse grupo, também, o que mais sofre com as consequências da precarização e desfinanciamento de nosso sistema público de saúde. Mas ao olharmos para os profissionais de saúde, esse grupo parece estar em situação similar.

Uma recente pesquisa da Fiocruz Minas Gerais, a Rede Covid-19 Humanidades e a Fundação Getúlio Vargas, mostrou que mulheres negras foram as mais impactadas e que mais sofreram entre os profissionais de saúde, durante o período da pandemia. De acordo com a pesquisa, as mulheres negras foram as que mais declararam sensação de despreparo (58,7%) e ocorrência de assédio moral no trabalho (38%). Elas também sentiram medo (54%), desconfiança (28%) e tristeza (53%) em maior proporção do que outros grupos. Por outro lado, homens brancos que afirmaram sentir despreparo para lidar com a crise estão em 33,5%, enquanto aqueles que sofreram assédio moral, 25%.

As mulheres negras, segundo o estudo, também são menos testadas para a Covid-19 (26%) e têm menos suporte de supervisores (54%, contra 69% no grupo dos homens brancos). Ainda assim, foram essas profissionais negras que se mantiveram e continuam ainda hoje, quase um ano após o início dessa crise global, na linha de frente da pandemia e na luta pela vida e saúde da nossa população.

Diante dessas evidências, deixo aqui a urgência de um verdadeiro e amplo pacto de proteção da vida de nossos trabalhadores da saúde, todos eles, sem exceção, nossas mulheres negras que não apenas atuaram em hospitais e clínicas no combate a pandemia, mas também nas ruas e nas redes pela conscientização da população e pelo fim da crise social que se agravou em nosso país. É preciso pactuar também uma ampla força pela cobrança de respostas, de políticas mais efetivas e menos enganosas diante da seriedade desta pandemia que está apenas no começo de um possível fim.