Topo

Anielle Franco

O cuidado no centro e a saúde das mulheres negras

FreshSplash/Getty Images
Imagem: FreshSplash/Getty Images

12/10/2020 04h00

Logo que se inicia o mês de outubro, somos bombardeadas com campanhas de cuidado à saúde da mulher. Após termos saído de semanas de importantes debates sobre a prevenção ao suicídio e a promoção do cuidado em saúde mental, entramos em um mês para falarmos do cuidado com nossa saúde física e a prevenção do câncer de mama. Neste momento, duas questões me vêm à mente, por serem não apenas importantes, como fundamentais de serem lembradas nesse debate.

A primeira delas é que, assim como os demais indicadores de saúde no Brasil, a população negra e, nesse caso, as mulheres negras mais uma vez lideram os piores indicadores de saúde relacionados ao câncer de mama, como, por exemplo, o diagnóstico tardio que é mais comum em mulheres negras, e o tempo de vida, que é menor para mulheres negras. Ou seja, as mulheres negras são diagnosticadas mais tarde e com a doença em estágio mais avançado e também morrem mais cedo, sem o acesso a um cuidado digno e completo.

A segunda questão é exatamente a importância do cuidado com o corpo e com a mente como algo cotidiano e simples. A promoção de uma noção do cuidado como uma prática abrangente, singular e também coletiva é essencial para levarmos vidas melhores. O respeito com nós mesmas e com os outros, a compreensão da exaustão e da luta de olhar para si.

À medida que a pandemia de Covid-19 se intensificou nos últimos meses no Brasil, uma série de cuidados de rotina de saúde da mulher foram ou suspensos pelas unidades de saúde ou deixados de lado temporariamente por mulheres que do dia para a noite tiveram que voltar todos os seus esforços e seu tempo para a sobrevivência e o cuidado, seu, de sua família e de sua comunidade. Nos cuidarmos pode ser visto como um ato revolucionário, já que por tantos anos o atendimento às especificidades de saúde da população negra nos foi negada e, em muitos casos, ainda é. De toda forma, o debate central da saúde e também das redes nesses últimos meses, parece estar sempre voltado para o cuidado. Mas, afinal, que cuidado é esse que tanto falamos?

Por vezes, falar em se olhar ou ter atenção consigo mesma parece algo inacessível, inimaginável ou mesmo impossível na vida e cotidiano de mulheres que precisam dar conta de triplas jornadas, como eu, ou como você que me lê. Fato é que, dentro do possível, damos conta de tudo e mais um pouco, e também devemos ter o direito de nos cuidarmos. Mas aqui não faço referência ao cuidado promovido em redes sociais ou falsas propagandas. Aqui, refiro-me ao cuidado com nossa própria saúde (seja mental, seja física), ao cuidado com o tempo que conseguimos dedicar para nós mesmas. Aqui, falo sobre o olhar para si, sobre o se priorizar e assim se perceber melhor, falo sobre ter tempo para encontrar tempo para si nas atividades cotidianas e para as coisas que realmente importam.

Por isso, faço esse chamado para que mais mulheres encontrem, dentro do possível, atividades que lhes dão prazer e não apenas que estão pré-definidas como obrigações. É necessária uma convocação para repensarmos e priorizarmos o cuidado com nós mesmas, fora de um ideal e a partir de uma realidade possível. Pensar nosso cuidado, é também garantir o bem-estar das pessoas ao nosso redor. Olhar para si deve estar além de um privilégio ou de uma obrigação de saúde que nos lembram a cada 12 meses. Deve ser estratégia prioritária para o bem-estar, deve ser a garantia e o exercício de nossos direitos, deve e pode ser também uma ação política. Afinal, o que é mais potente e ousado que mulheres negras ousando viver suas vidas em plenitude?

Importante: por geralmente detectar a doença apenas em estágios avançados, o autoexame das mamas não é mais uma estratégia preconizada para a prevenção e rastreamento precoce do câncer de mama. Apesar de ser importante nos percebemos e nos tocarmos, desde 2018 o Ministério da Saúde adota como estratégia de rastreamento o exame de mamografia a cada dois anos em mulheres de 50 a 69 anos e a consulta ginecológica anual para mulheres de todas as idades, além, é claro, de termos atenção aos sinais de nosso corpo. Consulte sempre sua ginecologista e se informe em fontes seguras.