COP30 toca na ferida dos subsídios às energias fósseis
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Após um beco sem saída no financiamento climático, a presidência brasileira da COP30 expõe um fantasma das negociações: o dinheiro necessário para conter a crise climática já existe e está depositado nas economias que causam o problema — especialmente na indústria de combustíveis fósseis.
A exposição se dá ao longo das 81 páginas do relatório Rota Baku-Belém, lançado hoje pelo Brasil e pelo Azerbaijão, que representam as presidências da COP30 e da COP29, respectivamente.
O documento foi proposto pelo Brasil ao final da COP29 como uma forma de amenizar a frustração dos países em desenvolvimento diante do baixo valor acordado no novo pacote de financiamento — que parte de um mínimo de US$ 300 bilhões anuais a serem providos pelos países desenvolvidos, sem sequer esclarecer qual porcentagem virá de recursos públicos e qual ficará a cargo do setor privado.
A meta exigida pelos países em desenvolvimento era bem maior: US$ 1,3 trilhão por ano. A saída brasileira foi propor uma lição de casa: de Baku a Belém, as presidências das duas COPs reuniriam recomendações de diversos setores para descobrir como mobilizar essa quantia.
O velho testamento do financiamento climático foi escrito em solo brasileiro: no Rio, em 1992, a Convenção do Clima da ONU nasceu sob a premissa de que os países ricos, responsáveis históricos pela crise climática, deveriam financiar a transição para uma economia de baixo carbono nos países em desenvolvimento.
De lá para cá, uma nova realidade econômica emergiu e colocou em xeque a simplicidade dessa conta — que se tornou a principal trava das negociações climáticas na última década.
A resposta do documento Baku-Belém aponta para uma reforma profunda do financiamento global, que, em vez de se limitar à lógica linear em que países ricos doam ao bloco em desenvolvimento, passa a tocar na ferida central da crise climática: o dinheiro está indo na contramão, subsidiando os combustíveis fósseis — os principais causadores da emergência climática.
"De uma perspectiva setorial, é crucial acelerar a redução do estoque de capital atualmente alocado em combustíveis fósseis e outras atividades que contribuem para as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que se aumenta o investimento em desenvolvimento de baixo carbono e resiliente ao clima", afirma o documento, que volta a mencionar os combustíveis fósseis mais de uma dúzia de vezes.
"Essa mudança deve ser impulsionada pelo realinhamento dos fluxos financeiros dos setores de altas emissões para setores sustentáveis. No entanto, o capital hoje está se expandindo simultaneamente tanto para ativos fósseis quanto para iniciativas de ação climática", cita o relatório.
O conjunto de soluções menciona instrumentos econômicos como a precificação de carbono e a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis. O relatório também aponta diferenças estruturais que favorecem o mercado de energia fóssil em relação às renováveis. A principal delas é o fato de a energia limpa circular em moedas nacionais — já que atende a mercados domésticos — enquanto os combustíveis fósseis operam em mercados externos e em dólares. Reduzir essa assimetria é uma das diretrizes analisadas pelo documento para viabilizar a transição energética.
Há décadas, o bloco em desenvolvimento reivindica que o financiamento climático seja "novo e adicional" — ou seja, que países ricos não possam apenas rebatizar como "clima" doações antigas já destinadas ao desenvolvimento. O problema é que a conjuntura geopolítica tornou cada vez mais estreito o caminho para manter esse modelo unidirecional. Os Estados Unidos estão praticamente fora do jogo; a União Europeia enfrenta restrições fiscais e impactos das guerras; e economias emergentes como China, Brasil e Índia se tornaram atores centrais.
A proposta aproxima o clima da agenda internacional de biodiversidade, que já avançou em formulações mais sistêmicas. O Quadro Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, aprovado em 2022, determina que subsídios nocivos à natureza sejam reformados e redirecionados para atividades econômicas regenerativas.
Esse êxito discreto nas negociações da biodiversidade tem uma ausência-chave: os Estados Unidos não são signatários da convenção. Curiosamente, também foi a eleição de Donald Trump, no fim do ano passado, que gerou novo alvoroço e preocupação sobre o futuro do financiamento climático — temendo outra debandada da maior economia do mundo.
Agora, o documento precisa deixar de ser um conjunto de sugestões e testar sua força diante da diplomacia. Diante do vácuo deixado pelos Estados Unidos — cuja delegação não deve aparecer em Belém — a COP30 terá de ir além das recomendações paralelas e trazer os "elefantes" para o centro da sala de negociação.


























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